quarta-feira, 18 de abril de 2012

Das salas de aula para o papel

Se por um lado o zine parece ter perdido espaço entre a geração mais nova e em encontros pessoais de trocas, por outro parece ter ganhado força na sala de aula, como instrumento de exercício criativo ou didático.
Em Fortaleza, um bom exemplo foi sua inserção no texto das Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental, em 2011, como forma e conteúdo da área de artes visuais - ao lado de objetos já reconhecidos nesse campo, como a pintura, a gravura, o vídeo e a fotografia. O processo de elaboração do texto aconteceu ao longo do primeiro semestre do ano passado, e incluiu a consulta de especialistas e de professores da rede pública de ensino do município e instituições do Ensino Superior. À época, Herjan Sá, educadora e técnica em projetos de arte da Secretaria Municipal de Educação de Fortaleza, foi convidada a produzir um texto sobre zines como conteúdo de artes visuais, no sentido de oferecer fundamentos à proposta.
Frente à natureza lúdica e, de certa forma, não normativa do zine, Herjan teve a ideia de não fazer um documento estritamente teórico, mas um "zine sobre zines", espécie de tutorial, com embasamentos teóricos e poéticos, que oferecesse ao educador orientações para produzir um zine com seus alunos.
Experiências
Pelas possibilidades pedagógicas e criativas que o zine oferece, seu uso em sala de aula não se resume ao Ensino Fundamental ou Médio - simultaneamente, também ganha espaço nas aulas do ensino superior. Não raro, encontra-se docentes que apostam nesse tipo de publicação para estimular a reflexão e a criatividade.
É o que fez a professora do curso de Jornalismo da Universidade de Fortaleza (Unifor), Janayde Gonçalves, em diferentes ocasiões. A primeira foi na disciplina de Jornalismo Especializado, com foco em jornalismo ambiental, na qual os alunos produziram zines sobre biodiversidade.
"Levei alguns modelos, e, durante uma aula, cada um montou o seu, foi bem legal. Outra vez, optei pelo zine para uma oficina de férias do Laboratório de Jornalismo. Procurava alguma atividade lúdica, para ser realizada durante esse período", recorda Janayde. Para a professora, a ludicidade e a facilidade de produção são alguns dos pontos mais fortes dos zines no contexto de sala de aula. Não é preciso dominar programas de computadores ou sequer saber desenhar para criar um exemplar.
Nesse ínterim, porém, a ponte com a internet não deixou de ser construída. "No fim da oficina de férias, digitalizamos as capas dos zines e publicamos no blog do Labjor", conta Gonçalves. "A internet ajuda na divulgação, porque, hoje, encontrar as pessoas e distribuir zines é mais difícil. Além de envolver a questão ambiental, de poupar papel", avalia a professora.
Mestre em Comunicação Social Interações Midiáticas e professora do curso de Comunicação da PUC Minas, Luana Cavalcanti acompanhou por alguns anos a cena zineira de Fortaleza, no início dos anos 2000. Hoje, leva essa experiência para a sala de aula, na disciplina Mídia Independente e Confecção de Fanzines. "Não só conto a história dos zines como levo muitos para que eles vejam, leiam e observem desde o formato aos temas e desenhos. A disciplina, basicamente, se sustenta na confecção de zines de temas variados", explica.
Segundo a professora, o objetivo da disciplina é apresentar uma mídia livre, "em que você pode falar do que quiser, do jeito, onde e quando quiser. Na era do compartilhamento, é muito simples clicar no botão e espalhar pela rede sua opinião. Apresento o zine como uma mídia onde é possível usar e abusar da criação, é algo somente seu. Além de um ótimo espaço para exercitar a escrita", enfatiza Luana.
Ainda sobre a relação entre zines impressos e plataformas de comunicação na internet, a professora ressalta a trajetória relativamente menos efêmera do papel. "Quando você compartilha nas ruas ou via carta algo que produziu, isso tem um peso maior. Hoje, a internet é uma mídia bastante acessível mas, ainda assim, ela só atinge àqueles que estão de fato ´conectados´. Para tornar um fanzine ´visto e lembrado´ basta boa vontade, uma biblioteca para deixar um no meio dos livros, um transeunte na rua, um ônibus pra ´esquecer´ um no banco do passageiro", brinca a pesquisadora.
Fora da sala de aula, aos 30 anos, a professora continua produzindo zines de papel - ao contrário de muitos zineiros atropelados pela correria da vida adulta. "Minha psicóloga sempre solicita zines meus, porque, segundo ela, ´são leituras do inconsciente´", conta Luana Cavancanti.
Em relação ao retorno dos alunos, Cavalcanti contabiliza que, "de uma turma de 48, geralmente 10 já ouviram falar de zines e, desses 10, três ou quatro já viram um zine. Já tive duas alunas de turmas diferentes que chegaram a comentar que já fizeram zines mas não sabiam que ´isso´ tinha esse nome", brinca.
Embora de fato seja mais raro encontrar hoje adolescentes e jovens adultos que produzam zines, o suporte ainda desperta a curiosidade. Foi o que percebeu, por exemplo, Douglas Utescher, após a organização do I Anuário. "Não sei te dizer isso em números, porque não incluímos nada referente a idade na ficha de inscrição que os editores nos enviam junto aos seus zines (aliás, vou deixar anotada essa ideia para o próximo Anuário!), mas para dar um exemplo, uma das publicações mais interessantes que recebemos para o 2º Anuário é um zine de quadrinhos chamado ´Feto em Conserva´, feito por um garoto de 16 anos", revela.
Em Fortaleza, um exemplo é o estudante de Agronomia George Sousa, 19 anos, que manteve o hábito de fazer zines após participar de uma oficina na sua Escola, ministrada por Fernanda Meireles. Hoje, ele já perdeu as contas de quantas edições do seu "Mares de Marte" já confeccionou. "Sempre gostei de escrever, de desenhar, e vi no zine um modo de satisfazer essa vontade e compartilhar com as pessoas", explica. Para o jovem, o papel é mais atraente do que a internet pela possibilidade de selecionar quem vai receber o zine "É uma coisa mais pessoal, normalmente entrego para quem já conheço ou sei que vai gostar", conta o zineiro.
Ponte
No entanto, é na sala da professora de Psicologia Renata Maranhão, que dá aulas na Faculdade de Educação de Itapipoca (Facedi), um dos campus da Uece, onde a relação entre zine impresso e internet torna-se ainda mais intrigante. Com o objetivo de aproximar os alunos do universo virtual, Maranhão criou o zine Engancho, com sugestões e críticas sobre conteúdos que podem ser baixados da rede - filmes, músicas, discos, entre outros - além de eventos culturais realizados na cidade.
Segundo a professora, muitos alunos de Itapipoca, assim como de outras cidades do Interior, não têm fácil acesso à internet ou mesmo a computadores. "Muitos ainda entregam trabalhos escritos á mão", ressalta. A falta de familiaridade gera dificuldades em dominar as ferramentas de navegação, geração de conteúdo e comunicação online.
Nesse sentido, usar o papel para falar de internet soa menos estranho. "Além do baixo custo de produção, reprodução e circulação do zine, o impresso é mais acessível aos alunos nesse primeiro momento, quando, mesmo sem experiência em informática, podem chegar às sugestões de conteúdo para baixar", explica. A partir daí, segundo Maranhão, a ideia é promover gradativamente a aproximação dos estudantes com a rede e que, posteriormente, eles mesmos tragam sugestões de conteúdo para o Engancho. O primeiro volume foi lançado em março deste ano.
Fonte: Diário do Nordeste (CE)

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