Quanto mais acumulo experiências, tanto no setor público quanto no privado, mais me convenço de que o verdadeiro câncer destruidor dos possíveis impactos do enorme conjunto de investimentos hoje realizados na área social é a fragmentação das iniciativas. As incontáveis propostas, oriundas de políticas públicas, de ONGs ou do setor privado, todas absolutamente meritórias, perdem o poder transformador, na medida em que não dispõem de efeitos sinérgicos capazes de aumentar sua relevância.
No discurso, a maioria é favorável à ideia da parceria. Na prática, predomina a carreira solo. Isso porque não é trivial o processo de criação e consolidação de parceria, principalmente quando envolve setores com diferentes culturas, lógicas e interesses. Além de tudo, desponta o problema dos créditos. Qual o tamanho das logomarcas no material promocional? Quem é o porta-voz da parceria? A quem atribuir os resultados? Essas e outras são questões cruciais no complexo processo de ação conjunta.
Talvez o elemento mais importante na formação de parcerias seja a questão-foco. O problema a ser enfrentado pelos parceiros precisa ser considerado por todos como crucial, estratégico e urgente. Nesse sentido, o desafio do aumento de escolaridade da juventude brasileira, que afeta o futuro de nossos jovens (a inserção no moderno mercado de trabalho depende da conclusão do ensino médio), o futuro de nossa economia (apagão de mão de obra e baixa produtividade) e o funcionamento da sociedade (pobreza, desigualdade, violência), poderia ser bom exemplo.
Garantir que nossos jovens terminem os estudos básicos poderia constituir uma agenda educacional para a qual contribuiriam diferentes setores, níveis de governo e atores. Tendo como foco o acesso, bom desempenho e permanência dos alunos do ensino médio, todos os setores de políticas sociais poderiam focalizar, em seus programas, professores, alunos e famílias dessas escolas.
Visando tornar o contexto escolar mais atraente, a política de esporte e lazer poderia promover o esporte escolar, priorizar professores e alunos no acesso a eventos esportivos e oferecer oportunidades de aperfeiçoamento aos mais talentosos. A política de cultura poderia contribuir para a expansão do universo cultural de professores, alunos e familiares, priorizando o acesso a eventos culturais, promovendo diferentes formas de expressão cultural desses atores (festivais de música, concursos de poesia, olimpíadas de dança), e oferecendo oportunidades de desenvolvimento para os que se destacarem.
Enfrentando importantes fatores de deserção escolar, a política de saúde poderia desenvolver campanhas de esclarecimento sobre a gravidez não desejada, o uso de drogas, tabaco e álcool, bem como capacitar professores para a identificação de casos de usos abusivos, de doenças mentais, bem como ofertar atendimento prioritário aos casos identificados.
Como forma de estabelecer nexo entre educação e trabalho, bem como oportunizar ao jovem a aferição de alguma renda sem a necessidade de abandonar a escola, a política de trabalho poderia incentivar a Lei do Aprendiz, priorizando as organizações formadoras no investimento dos recursos do FAT, intermediar programas de estágio, além de promover feiras de empregabilidade voltadas para esse público.
Papel importantíssimo poderia ser assumido pela política de proteção social, assegurando as condições mínimas necessárias à permanência na escola. Nesse sentido, promover a documentação completa de alunos e familiares, garantir a inserção nos programas de transferência de renda para as famílias que necessitarem oferecer oportunidades de bolsas de trabalho protegido na escola (monitoria) ou na comunidade (agentes jovens) seriam algumas possibilidades de contribuição.
O grande coordenador dessa parceria de veria ser a política de educação. Caberia a ela conceber uma agenda social com metas claras, desafiadoras, mas factíveis. Em função dos resultados, identificar e priorizar projetos mais efetivos existentes, bem como lacunas em ações consideradas estratégicas. Identificar parceiros em outros setores do governo, em outros níveis, bem como em ONGs, institutos e fundações. Mobilizar o conjunto de forças em função das metas estabelecidas, criar sistemas de monitoramento e avaliação e ter cuidado em dividir os créditos.
Grande pacto pela educação, embasado em agenda concebida e implantada de forma participativa e responsável, poderia fazer a grande diferença para nosso desenvolvimento sustentável. O Brasil precisa.
Wanda Engel, in: Correio Braziliense (DF)
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