segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Ensino de ponta no Brasil, mas longe do topo do mundo

O músico Rafael Nanetti, 26 anos, passou boa parte da vida escolar em instituições privadas brasileiras. No ensino médio, ele fez high school em uma escola da rede pública dos Estados Unidos.
As diferenças eram muitas e somaram-se ao choque cultural, mas a infraestrutura de qualidade, em especial àquela dedicada aos esportes, impressionaram Rafael.
“Dá pra dizer, sem dúvida, que as públicas de lá [dos EUA] são muito melhores do que as particulares daqui [do Brasil]”, afirma. Nos Estados Unidos, o número de escolas particulares é bem inferior ao existente no Brasil e as mensalidades muito mais caras.

Ensino privado fica à margem de avaliações oficiais
Embora os rankings produzidos pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) sejam usados pelas instituições que aparecem nas primeiras colocações, não há nenhuma avaliação oficial obrigatória para medir o desempenho das escolas particulares no Brasil.
Enquanto as instituições públicas se submetem às provas que compõem o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), a participação das particulares é opcional.
Mesmo as que participam recebem do Ministério da Educação (MEC) diagnósticos genéricos, já que o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, uma das provas do Ideb, é censitário e feito por amostragem, sem emissão de informações detalhadas das escolas participantes.

Objetividade
A coordenadora dos cursos de pós-graduação em Educação da FAE Centro Universitário, professora Cléa Mara Reis Félix, cita algumas medidas que poderiam contribuir para uma avaliação mais objetiva da rede privada de Educação básica.
Uma delas seria adaptar aos ensinos fundamental e médio o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), aplicado a alunos ingressantes e concluintes do ensino superior. A prova é aplicada apenas a turmas selecionadas, mas indispensável para a obtenção do histórico escolar, mesmo nas instituições particulares.
Segundo a professora, avaliar o aluno quando ingressa e quando sai da instituição é o mais adequado, já que o sistema avalia o quanto a escola realmente foi relevante para o desenvolvimento individual de cada estudante.
Entretanto, para Cléa, medir o desempenho dos alunos não é suficiente para qualificar uma escola. “Penso que é muito importante a aplicação de índices de gestão educacional. Temos sérios problemas de gestão tanto na rede pública como privada”, diz.

Atitude 
Em alguns casos, a cobrança dos pais faz diferença na melhoria dos serviços prestados pelas escolas particulares. Confira algumas dicas do que fazer:
- Converse com outros pais e veja se há reivindicações em comum que podem ser apresentadas à direção. Pedidos feitos em grupo surtem mais efeito.
- Procure ir a todas as reuniões. Pais participativos conhecem melhor a realidade da escola e têm mais condições de embasar suas sugestões de melhoria.
- Mesmo que não pense em mudar seu filho de colégio, acompanhe as notícias sobre os concorrentes. Não custa perguntar por que determinada atividade que você viu na escola vizinha não é oferecida ao seu filho. Isso deve motivar alguma ação da diretoria.
- Se a mensalidade paga for cara, seja rigoroso com a qualidade de todo o material comprado com o seu dinheiro. Se achar que algo não corresponde ao valor pago, peça explicações.
A exposição cada vez mais frequente de índices que medem o desempenho escolar destaca o que parece ter sido um consenso ao longo dos anos: a Educação pública no Brasil não é das melhores.
Em geral, qualquer que seja o instrumento de avaliação adotado, escolas particulares obtêm resultados superiores aos conquistados pela rede pública.A comparação é lógica e válida. Analistas, porém, alertam que isso tem induzido à falsa conclusão de que o ensino privado no país é realmente bom.
Quando índices internacionais são usados como referência – e não apenas parâmetros nacionais como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) ou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) –, chega a ser espantoso notar que os melhores estudantes da rede particular brasileira não alcançam os alunos que estão abaixo da média em países desenvolvidos, sejam eles de escolas públicas ou privadas.
Uma amostra dessa situação ficou clara diante dos números mais recentes do Programa Internacional de Avaliação do Estudante (Pisa), divulgados em dezembro de 2010.
O estudo comprovou que o desempenho em leitura da camada que inclui os alunos brasileiros mais ricos é pior do que o resultado atingido pelos estudantes mais pobres de lugares como Hong Kong, Coreia do Sul e Finlândia.
Os problemas parecem começar nos primeiros anos de escola. Em agosto, foram divulgados os resultados da inédita Prova ABC, do Ministério da Educação (MEC), que avaliou crianças com 8 anos de idade.
Dentre os alunos de escolas particulares, 21% não alcançaram o desempenho mínimo esperado em Português e 26% não dominavam o conteúdo ensinado em Matemática.

Contentamento
Os números também mostram que pais com filhos em escolas particulares mostram-se contentes com a qualidade do ensino. Uma pesquisa de 2006, conduzida pelo Ibope a pedido da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), com famílias de classes A e B, revelou que 90% dos entrevistados declaravam-se satisfeitos com a escola de seus filhos. A qualidade de ensino foi apontada por 41% deles como a principal razão para terem efetuado a matrícula.
Para o consultor educacional Renato Casagrande, não é apenas a comparação com os problemas da escola pública que justifica a satisfação. Os pais não se guiam por níveis de Educação alcançados em outras partes do mundo.
Tendem a usar como referência a escola que tiveram. Se notam que a de seus filhos é melhor, já se contentam. Entretanto, lembra o consultor, as habilidades e competências exigidas pela sociedade globalizada não são as mesmas de 20 ou 30 anos atrás.
“Ainda há muita valorização da escola conteudista, mas muito do que foi importante um dia é desnecessário hoje”, diz Casagrande. A expectativa familiar, mais focada na aprovação no vestibular, por exemplo, é o que motivaria as escolas – tanto públicas como particulares – a não investirem em formas mais sofisticadas e eficazes de aprendizagem.
“Sem a cobrança dos pais por mais desenvolvimento, o horizonte de possibilidades que a escola pode oferecer fica reduzido.”

Seleção de professores deixa a desejar
A formação dos professores é outro aspecto a ser considerado para entender a discrepância entre a Educação de ponta no Brasil e no exterior. Segundo Renato Casagrande, a procura por cursos de licenciatura é baixa, o que implica em menos critérios para a seleção de futuros docentes.
O problema é agravado por grades curriculares de cursos de graduação que não dão a devida importância à metodologia e à prática em sala de aula. E quando chegam ao mercado de trabalho, bons profissionais da Educação básica tendem a optar pela estabilidade do serviço público, no qual encontram remuneração muito próxima (e igualmente baixa) à paga pela iniciativa privada.
Gazeta do Povo (PR)

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