Com dois anos de idade, Marcelo Corrêa Carvalho trocou o interesse pelos vídeos infantis por DVDs de bandas como Beatles e Ramones. Aos três anos, ganhou a primeira camiseta de rock com a banda Rolling Stones estampada na frente. Hoje, aos oito anos, toca guitarra, violão e tem como ídolo os astros Jimmy Hendrix e Chuck Berry.
As preferências musicais do estudante, no entanto, foram apontadas como erradas pela diretora de uma escola particular de São José do Rio Preto (SP), no início deste ano, e estimularam o debate sobre formas de punição que ainda existem em alguns colégios.
Segundo Nara Campos Calachi, mãe do aluno, tudo começou quando Marcelo ficou "batucando" na mesa da classe e atrapalhando a aula. Ele teria sido encaminhado para a direção da escola, onde foi "orientado a não gostar mais de rock".
"Ela perguntou por que ele estava fazendo barulhos, e então ele contou que gostava de rock e queria ser guitarrista. Ela mostrou para ele algumas traduções de músicas de rock e disse que os roqueiros tinham pacto com satã e que, por isso, ele não deveria seguir este caminho", conta a mãe.
Ao chegar a casa, Marcelo perguntou à mãe por que não haviam contado a ele que "rock era algo do mal". "Ele ficou muito assustado no início, teve pesadelos e não quis mais tocar guitarra. Mas então eu o troquei de escola e conversei muito sobre o ocorrido. Ele ainda não está dormindo sozinho, mas voltou a tocar", diz Nara.
De acordo com ela, o problema não foi o fato de Marcelo ser chamado pelo mau comportamento, mas sim de ser orientado inadequadamente. "Acredito na orientação, mas em parceria com a família. Creio que o correto seria dizer ao meu filho que ele estava atrapalhando a aula e que estava prejudicando os colegas e ele próprio.
“Se ele insistisse na atitude, acredito que o certo seria me chamar, para que, em conjunto com a diretora, nós pudéssemos procurar uma forma de melhorar seu desempenho", fala.
A pedagoga Edileide Castro, autora do livro Limites e afetividade: uma parceria entre e a família e a escola, concorda com a mãe de Marcelo e afirma que a orientação escolar deve sempre ocorrer com a participação dos responsáveis. "Isso evita confusão na cabeça da criança. Se a escola diz uma coisa e os pais outra, o que é certo?". Para ela, as desobediências infantis sempre farão parte da formação da criança, mas é com orientação e não punição que os educadores devem responder.
De acordo com Edileide, repreensões desse tipo só geram distanciamento e rebeldia. "O ato pode ter um efeito imediato no comportamento, mas não trata o coração. Além disso, deixa muitas vezes a criança ou o adolescente pronto para receber influências negativas de pessoas estranhas ao processo educacional", afirma.
Edileide entende que a determinação de limites deve ocorrer com amor e confiança, e sempre com a participação dos pais. "A escola precisa ter sabedoria e conhecimento da vivência familiar para melhor orientar, mas as decisões finais são sempre da família, dos pais ou responsáveis", fala.
Edileide explica que essa orientação deve ocorrer em etapas, e sempre com muita conversa. De acordo com ela, logo após a infração das regras, um profissional da escola deve conversar com o aluno e o direcionar para a atitude correta.
Depois, se o aluno repetir a conduta, os pais devem ser avisados através de bilhetes escritos pela professora e assinados pelo aluno. "Isso faz com que os pais conversem com o filho em casa", afirma. Se os avisos se tornarem constantes, a família deve ser convidada a ir à escola para encontrar soluções com os docentes.
Apesar de muitos estabelecimentos de ensino já adotarem a orientação como resposta a um mau comportamento, outros ainda preferem a privar o estudante de algo, diz Edileide. "Na maioria das vezes, são coisas como proibir a ida ao recreio, que é um direito de descanso e lazer, expulsar da sala de aula ou realizar a famosa suspensão", diz. Para a pedagoga, a suspensão deve ser utilizada em último caso. "Muitos alunos querem exatamente isso, ficar sem ir para a aula".
Projeto de lei quer regulamentar a suspensão escolar
Não existe um padrão sobre quando e como a suspensão deve ser aplicada a um aluno nas escolas brasileiras. Numa tentativa de padronizar e visando a diminuir o número de casos de violência contra professores por parte de alunos, a deputada federal Cida Borghetti (PP-PR) propôs o acréscimo do artigo 53 no Estatuto da Criança e do Adolescente.
O projeto de lei, proposto no início do ano, estabelece deveres e responsabilidades de crianças e adolescentes estudantes, como o de observar e cumprir códigos de ética e conduta da instituição de ensino a que estiver veiculado.
Caso contrário, a suspensão é apontada como a punição adequada para quem descumprir as regras, ficando a cargo da direção o número de dias suspensos. "A legislação é importante, mas a presença dos pais na vida dos filhos e o acompanhamento escolar é mais importante ainda", opina Edileide.
Caso contrário, a suspensão é apontada como a punição adequada para quem descumprir as regras, ficando a cargo da direção o número de dias suspensos. "A legislação é importante, mas a presença dos pais na vida dos filhos e o acompanhamento escolar é mais importante ainda", opina Edileide.
Apesar de não existir uma legislação que defina os tipos de punição adequados em ambiente escolar, Artur Costa Neto, professor da área educacional da PUC-SP e diretor do Sindicato dos Professores de São Paulo (SINPRO-SP), não enxerga necessidade de um projeto de lei como esse.
"O regimento escolar já é o bastante para os pais, e os estudantes já estão bem protegidos com o ECA", afirma, destacando que a expulsão já é considerada inadequada pelo meio docente. "Teoricamente se estaria violando o direito à educação de uma criança", observa.
Neto explica que são as escolas que definem os tipos de punições para cada atitude inadequada de um aluno. "A dica é que os pais leiam o regimento escolar antes de matricular seus filhos, assim eles já conhecerão a linha pedagógica da instituição", diz Edileide
Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário