Com três filhos, dois adolescentes e uma criança de apenas 1 ano e seis meses, Fátima da Cruz Stalter, 44 anos, precisa se desdobrar para dar conta da rotina de mãe e professora.
Moradora de São Luiz Gonzaga, no interior do Rio Grande do Sul, Fátima se reveza nas atividades em três escolas, em uma jornada de trabalho que chega a 12 horas por dia. "É bem cansativo, só que com o salário que a gente ganha não tem opção", conta a educadora, que ainda encontra tempo para um bico: vender cosméticos.
Educadora no Estado que menos paga no regime de 40 horas semanais - R$ 862,80 de vencimento básico -, Fátima começou a carreira no magistério há 22 anos. Com o aumento da família, há pelo menos 10 anos teve de ampliar a carga horária de aulas para dar conta de pagar as contas.
A venda de cosméticos da Natura também garante um reforço ao orçamento familiar. "Eu levo no colégio, vendo para as professoras. É uma forma de ganhar um dinheirinho a mais", diz ao destacar que a filha de 16 anos ajuda a "administrar" as vendas.
No pouco tempo que tem para almoçar antes de seguir para mais uma jornada de aulas, ela fala sobre a rotina, que começa cedo. Às 7h30 a professora já está na primeira escola, onde dá aulas de História e Geografia para alunos da 8ª série. A pé, no meio da manhã ela segue para outro colégio, onde ensina as mesmas matérias.
Ao meio-dia, corre para casa para almoçar a refeição feita pelo marido e se preparar para mais uma jornada. À tarde, ensina crianças do segundo ano, em uma terceira escola. "A minha vantagem é que os colégios não ficam muito distantes da minha casa, faço tudo a pé".
Após dar aulas para crianças com idade média de 7 anos, a professora ainda tem fôlego para ficar na escola até as 22h para ensinar Geografia a alunos que têm entre 16 e 60 anos, das turmas de educação de jovens e adultos.
Mais de 12 horas depois de iniciar a jornada, quando a cabeça "já não raciocina mais" e as pernas estão cansadas, Fátima ainda encontra forças para chegar a casa e cuidar dos filhos e do marido, que é funcionário dos Correios.
"O ideal seria trabalhar só durante o dia, para ter mais tempo para a família, para cuidar dos filhos. Eles crescem muito rápido e, quando a gente se dá conta, não pode aproveitar todos os momentos com eles", afirma ao lamentar a falta de tempo para cuidar do filho menor, que fica o dia inteiro em uma creche pública e, à noite, sob os cuidados do pai.
Paixão pela profissão
Graduada em Geografia e com especialização em interdisciplinaridade, a professora diz que não se arrepende ao ter escolhido a profissão de professora. "Gosto da minha profissão, principalmente de trabalhar com os pequenos. Acho que é por isso que eu consigo levar as 60 horas de trabalho, porque eu amo que eu faço", afirma ao destacar que é preciso ter vocação para ensinar.
Fátima lembra que na época em que decidiu cursar a faculdade de Geografia, "ser professora era o máximo". Mais de duas décadas depois, ela acredita que a profissão está desvalorizada. "A gente faz a graduação, faz uma pós, mas o salário continua baixo. Pela importância do nosso trabalho, deveríamos ganhar bem mais, mas o governo não valoriza, a sociedade também não", afirma.
A professora diz que enfrenta problemas de indisciplina na sala de aula, mas na cidade do interior os casos de violência são raros. "O maior obstáculo é a falta de vontade dos alunos. Eles não enxergam a escola como um atrativo. Aí os pais culpam a gente. Tem dia que eu canso, me estresso, mas acho que se tivesse um salário melhor, seria mais fácil, me sentiria mais valorizada".
Para ela, receber o piso salarial do magistério - que é lei em todo o País, mas ainda não foi cumprida no Rio Grande do Sul - é uma realidade distante. "Se o salário fosse melhor, eu poderia trabalhar menos, teria mais tempo para a família e também para me dedicar às aulas, fazer atividades diferentes, que chamassem a atenção dos alunos. Tudo seria melhor", diz a professora que ainda precisa dedicar parte dos finais de semana para corrigir provas e elaborar conteúdos.
Com uma renda de R$ 2,5 mil por mês ela sonha com o cumprimento do piso. "Se o governo pagasse o que diz a lei, eu trabalharia somente durante o dia". Enquanto a situação não muda, ela conta o tempo que falta para a aposentadoria. "Faltam seis anos, preciso aguentar", completa a educadora.
Terra
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