Em primeiro lugar, é importante
destacar que o conflito é fenômeno inerente às próprias relações interpessoais.
Basta uma relação entre duas pessoas para que surjam ocasiões em que desejos e
interesses se contrapõem, desencadeando situação de conflito. Eles não devem e
não podem ser evitados, podendo ser resolvidos de forma construtiva por meio do
diálogo ou negativa quando se usam as diferentes formas de violência.
Imaginemos, agora, o potencial de conflitos existentes em uma comunidade
Escolar, que reúne diferentes atores — Alunos e seus responsáveis, Professores,
profissionais de apoio, equipes de direção — e lida diretamente com outros
grupos de interesse, como a comunidade do entorno, representantes dos órgãos
centrais da Educação, além da própria opinião pública. Cada um deles com seus
interesses e sua cultura, que, além de diferenciados, podem ser extremamente
antagônicos. Nessa conjuntura, não dá para varrer as divergências para baixo do
tapete. É fundamental que se desenvolvam estratégias para lidar com o conflito.
Também nesse campo, o importante é
prevenir, identificando-se os possíveis fatores geradores. Talvez os mais
importantes sejam os valores dominantes em nossa sociedade. Vivemos em um mundo
pautado pelo individualismo, pela falta de ética, pelo desrespeito aos outros e
às regras, e pela impunidade. A Escola precisa assumir seu papel na formação
das novas gerações, desenvolvendo estratégias pedagógicas intencionalmente
voltadas para a construção de valores pautados na ética.
Processo que se inicia em atos de
cortesia (bom-dia, obrigado, por favor), prossegue na capacidade de se colocar
no lugar do outro (empatia) e desemboca no sentimento de solidariedade. A
consolidação da ideia de igualdade é fundamental para o desenvolvimento de
valores como respeito, confiança e solidariedade, considerados como componentes
básicos do capital social. Baixos níveis de capital social estão associados a
grupos cujas relações são pautadas na violência, perdendo a capacidade de gerar
resultados.
A ênfase na intencionalidade desse
processo baseia-se no fato de que, sem a clara determinação de realizar esse
trabalho e o desenho de caminhos educacionais mais efetivos para realizá-lo,
não será possível reverter a ideia, fortemente hegemônica, de que os seres
humanos são melhores ou piores, dependendo da origem socioeconômica, do gênero,
da raça, da idade, do peso, da aparência ou da opção sexual. Nessa lógica, caso
não seja homem, branco, jovem, magro, bonito, heterossexual e rico, você poderá
ser considerado necessariamente inferior, merecendo ser discriminado,
marginalizado, violentado psicológica ou fisicamente, ou, no limite,
exterminado. Assim, num momento de choque de interesses, aqueles que se enquadram
em um dos padrões socialmente valorizados, podem se sentir no direito de impor
sua vontade por meio da violência, assim como o discriminado, de se sentir
obrigado a utilizá-la para se fazer respeitar.
O uso da violência numa situação de
conflito pode também estar ligado à incapacidade de resolvê-lo por meio do
diálogo. É através do diálogo e da argumentação que se consegue mediar
conflitos e encaminhá-los para uma resolução satisfatória para todos. Assim é
que o mais importante antídoto contra o uso da violência, em situações de
conflito, parece ser um trabalho efetivo das Escolas no desenvolvimento de
habilidades dialogais. Uma sociedade democrática prescinde da prática
argumentativa.
Enfrentar as duas questões seria agir
na raiz do problema, mas, como toda mudança cultural, com resultados a mais
longo prazo. A Escola precisa, entretanto, preparar-se, a curto prazo, para os
complexos conflitos que vem enfrentando, cada vez mais resolvidos por meio da
violência. O primeiro passo seria a institucionalização das normas de
funcionamento, mediante um estatuto, construído de forma participativa,
divulgado amplamente e cumprido de forma justa. Pior do que não ter um
estatuto, é tê-lo desconhecido, na gaveta ou usado de forma arbitrária. Começa
assim, para as novas gerações, a prática da ausência de normas ou do respeito
às normas, aliada ao sentimento de impunidade ou injustiça.
É claro que a Escola não é uma ilha,
estando sujeita à violência que a circunda e muitas vezes a invade, mas, como
formadora de sujeitos sociais, ela também é responsável pela reprodução do seu
uso nas situações de conflito. Ter a intenção e desenvolver as melhores
estratégia para a formação de sujeitos éticos; estabelecer relações, entre os
diferentes atores da comunidade Escolar, baseadas no respeito, na confiança e
na solidariedade; estruturar-se como instituição baseada em normas claras,
consubstanciadas em um estatuto conhecido e aprovado por todos e aplicado com
justiça; podem ser os primeiros passos para que as novas gerações aprendam a
resolver seus conflitos por meio do diálogo, não da violência.
Fonte: Correio Braziliense (DF)
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