Há um ano, o venezuelano Fernando
Reimers, diretor do centro de Educação Global de Harvard, visitou o câmpus de
outra universidade de elite americana, Stanford. Ficou intrigado com o Edifício
Gates de Ciência da Computação e topou com uma metáfora para o que considera
uma das questões centrais da Educação hoje: a dificuldade de os modelos de
avaliação estimularem as competências necessárias para o século 21. Resumindo
bem a história, Bill Gates financiou o prédio como uma espécie de vendetta
contra um Professor que lhe deu nota F em matemática - episódio que fez o
futuro bilionário, criador da Microsoft, abandonar a universidade.
"Aquele F não significava nada,
não tinha nenhuma relação com o que esse sujeito era capaz de fazer", diz
Reimers. Renomado especialista em inovação, ele contesta a validade dos modelos
que cobram dos Alunos altíssima performance nos conteúdos tradicionais - algo
que os recentes avanços da tecnologia na Educação ameaçam aprofundar.
Para Reimers, inovar hoje é usar
recursos como a tecnologia para retomar o princípio moral dos primeiros
defensores da Educação pública, a visão humanista de que instruir as pessoas é
um anteparo contra a barbárie. "Muito do esforço que fizemos na Educação
perdeu conexão com as coisas realmente importantes."
Embora há décadas já exista uma
hierarquia que distingue habilidades cognitivas - na base da pirâmide está a
memorização e no topo as capacidades de síntese e avaliação -, Reimers acha que
é preciso ir além. "Nós somos também emoções e habilidades sociais",
diz, citando entre essas competências a capacidade de inovar, de criar empatia
e de controlar impulsos básicos em favor do bem comum. "Uma competência
considerada importante hoje nos Estados Unidos é o que eles chamam de grit
(perseverança), aquilo que faz você nunca se dar por vencido após falhar e
continuar tentando." Não é algo captável pelos testes tradicionais, que
medem basicamente memorização. "Mas é uma qualidade que você pode
reconhecer na sua experiência ou na de outras pessoas."
Reimers esteve na semana passada em
São Paulo com Alunos de um grupo especial de Harvard, criado para transformar
pessoas maduras, que já consolidaram sua carreira, em líderes capazes de atacar
os grandes desafios globais. Conheceu a favela de Heliópolis, em marcha
acelerada de urbanização. Encontrou lá outro exemplo para suas teses.
Encantou-se com o Instituto Baccarelli, que dá formação musical às crianças e
jovens.
"O instituto está ensinando a
esses garotos uma noção diferente de individualidade, abrindo janelas,
ensinando a trabalhar em grupo, a criar", afirma. "Mas estou certo de
que no contexto atual do Brasil e de vários outros países vai haver gente mais
preocupada em saber se isso vai melhorar o desempenho deles num exame nacional
como o Enem."
Para o Professor de Harvard, a
"tragédia" da Educação atualmente é o fato de mesmo pessoas
privilegiadas economicamente ficarem décadas no sistema de Ensino e saírem de
lá quase que de mãos abanando. "Muitas delas não têm noção de como ser
autoras de suas próprias vidas, cidadãos com alguma contribuição à
sociedade", critica Reimers. "Heliópolis é um contexto onde isso está
sendo pensado."
Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)
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