O que a matemática tem a ver com
Fernando Pessoa? "Tudo!", afirma Danielle Cavallo, de 16 anos. No ano
passado, quando cursava o primeiro ano do Ensino médio, ela e a colega Karen
Oliveira, da Escola Lourenço Castanho, redesenharam o famoso retrato do
escritor português a partir de gráficos com retas, parábolas e curvas.
O resultado do trabalho, perfeito,
mostrou que o software utilizado nas aulas ajudou ambas a entender as temidas
funções de primeiro e segundo graus.
Exemplo de que o uso de ferramentas
além da lousa e do giz ajuda os Alunos a ver sentido no que aprendem e pode ser
muito útil para o Ensino da disciplina campeã de rejeição entre pequenos e
adultos.
"Sempre tive dificuldade com
matemática. E, se eu tivesse aprendido só no papel, teria sido monótono e muito
difícil. Quando consegui desenhar o Fernando Pessoa, vi a aplicação prática
daqueles números todos", conta Danielle.
Para facilitar a compreensão, vale
usar imagens dos terremotos dos últimos dias na Itália para explicar logaritmos
ou sair às ruas e usar os ângulos dos prédios para explicar trigonometria.
"A frase que mais ouço e mais me
deixa feliz é: 'Ah, então é isso'", diz a Professora Janine Moura Campos,
que executou o projeto com a colega Heloisa Hessel. "Conseguimos quebrar
nove anos de resistência. A maioria desses Alunos não gostava da disciplina
desde que entrou na Escola", acrescenta.
Janine refere-se à tradicional
aversão do brasileiro à matemática. Um hábito cultural percebido já no primeiro
ano do Ensino fundamental, afirma Juliana Cunha de Melo, Professora há 16 anos
na cidade de Franca, interior de São Paulo.
"Percebo que o pai já avisa,
antes de a criança ir para a Escola, que matemática vai ser um problema",
diz Juliana. "Daí, o menino de 7 anos já chega decidido a não gostar. Como
a didática dos Docentes não ajuda, logo isso se confirma."
Aversão. De fato, no Brasil, os
Professores do 1.º ao 5.º ano são polivalentes, isto é, responsáveis pelo
conteúdo de todas as disciplinas e, por isso, não têm uma formação específica.
Entre eles, poucos estudaram exatas. Os demais, assim como a maioria da
população, não gostam muito de matemática.
Juliana decidiu sair dessa
estatística. Formada em Pedagogia e Professora dos primeiros anos do Ensino
fundamental na Escola Municipal Prof. Hélio Paulino Pinto, ela viu que sua
formação era insuficiente para ajudar os pequenos a entender os princípios
básicos de matemática e resolveu aprender.
Juliana matriculou-se em cursos de
formação oferecidos pela secretaria municipal de Educação, percebeu que
aproximar o conteúdo do dia a dia dos Alunos era a melhor forma de ensinar e
criou o projeto "Do porquinho ao leão; Para onde vai o meu tostão",
que ganhou o prêmio Professores do Brasil, do Ministério da Educação, no ano
passado.
"Como havia muitas crianças com
dificuldade nas quatro operações e eu sabia que eles tinham familiaridade com o
dinheiro, trabalhei com base no sistema monetário. Foi fazendo cálculos de
troco, mesada, descontos e impostos que eles aprenderam a subtrair, multiplicar
e a dividir", explica Juliana.
Com crianças dessa idade, ensinar a
fazer cálculos com base em situações que envolvem dinheiro tem resultado
garantido. Na Escola Estadual Profa. Nair Hiroko Konno Hashimoto, que fica no
bairro do Campo Limpo, em São Paulo, a sala de aula foi transformada em um
minimercado. Os Alunos trouxeram embalagens vazias de casa, fizeram etiquetas
de preço, confeccionaram cartazes com os descontos e passaram dias negociando
os produtos.
"Além de facilitar o
entendimento das operações, usamos as embalagens para outros fins: usamos os
rótulos, por exemplo, para abordar a questão dos alimentos saudáveis; falamos
também do escambo, contamos a história da alimentação", diz a Professora
Solange Cabral.
Consequência. Todo o esforço é para
que essas crianças cheguem à segunda etapa do Ensino fundamental ao menos com o
domínio das operações, fato ainda raro no País.
"A maioria tem dificuldade de
ler e interpretar textos simples. Não consegue nem entender os problemas,
quanto mais resolvê-los", pondera Kelly Klein, Professora de matemática da
Escola Estadual Prof. Odon Cavalcanti. A instituição fica na zona sul de São
Paulo e tem 90% dos Alunos provenientes da comunidade de Heliópolis.
Para seduzir os adolescentes, ela
criou um mural no corredor. Começou colocando problemas simples e foi
incrementando. Hoje, no horário do intervalo, a concorrência é grande para
montar peças geométricas e resolver desafios lógicos. Há até quem deixe
bilhetinho encomendando algum desafio novo.
"Se há material sofisticado,
ótimo. Se não, também dá. Só não podemos deixar esses adolescentes saírem
inimigos da matemática. E o lúdico é a melhor forma de quebrar a
resistência".
Fonte: O Estado de S. Paulo (SP)
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