Os olhos marejados da Professora de
sociologia Maria Teresa Mendes Ciambarella, de 60 anos, respondem bem a uma
pergunta sobre o que pensa a respeito de lecionar no Colégio Estadual Professor
Augusto Motta, na Penha Circular, Zona Norte do Rio. A Escola é uma das 104 da
rede pública carioca que, no ano passado, não conseguiram aprovar de ano sequer
a metade de seus Alunos matriculados no Ensino médio, segundo levantamento
feito pelo GLOBO com base em dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep). O número corresponde a pouco mais de um terço (37%) das
283 unidades da cidade.
- Dou aulas há 38 anos na rede
pública e o que vejo aqui é um retrato do abandono pedagógico. Não há respeito
com o Professor - define Maria Teresa.
O Colégio Professor Augusto Motta foi
o terceiro que menos aprovou no ano passado na capital fluminense: apenas 25,7%
dos Alunos matriculados no Ensino médio passaram de ano, de acordo com os dados
do Inep. No 1 ano, por exemplo, o número consegue ser ainda mais assustador: só
18,7% conseguiram a aprovação. A unidade da Penha Circular retrata bem aquele
que parece ser o grande calcanhar de Aquiles da rede estadual: Escolas que
funcionam à noite e nem prédio próprio têm. Ocupam instalações da prefeitura do
Rio, projetadas para atender aos Alunos de Ensino fundamental.
- Hoje (quarta-feira passada), fiz
metade do meu planejamento de aula no banheiro e metade no refeitório porque a
gente não tem sala de Professor - completa a Docente do Professor Augusto
Motta.
Das 20 piores, 19 são noturnas
Das 104 Escolas estaduais do Rio que
não conseguem aprovar metade de seus Alunos do Ensino médio, 70 (67%) funcionam
no período noturno em prédios que são do município. Das 20 piores no ano passado,
apenas uma não se enquadra nesse perfil.
- É um problema histórico que temos
na Região Metropolitana. Nessas Escolas à noite, os Alunos geralmente aparecem
só em época de provas. A partir do início de setembro, de outubro, quando vai
chegando a época de festas, há um esvaziamento ainda mais perigoso de jovens
que saem para trabalhar e não voltam mais. É uma luta diária conseguir manter
esse estudante dentro da Escola - comenta Alan Figueiredo Marques, diretor
administrativo da Regional da Zona Norte do Rio, da Secretaria estadual de
Educação.
Na última quarta-feira, quando o
GLOBO esteve na Professor Augusto Motta, não se ouvia o burburinho típico de
uma Escola cheia. Por motivos de saúde, quatro Professores haviam faltado. O
turno deveria começar às 18h e terminar depois de 22h30m para suas nove turmas
de Ensino médio regular. Mas poucos estudantes resistiram nas salas. Às 21h,
depois que foi servido o jantar, praticamente ninguém ficou.
- São Alunos muito carentes, de
situação econômica muito desfavorável. Ano passado, não tínhamos comida quente
para oferecer. Essa mudança já está melhorando o índice de comparecimento.
Também estamos fazendo um trabalho de visitação nas casas para saber os motivos
da evasão - defende-se a diretora Maria José da Silva Bezerra Sá, que na quarta
chegou à Escola pouco depois de 20h.
Na Escola que teve o pior índice de
aprovação no Rio (15,2%), o Colégio Estadual Marechal Estevão Leitão de
Carvalho, no Engenho da Rainha, nem o jantar serve de motivação. Como a unidade
não tem uma dispensa adequada para o depósito de alimentos, não há como
fornecer a merenda quente. Na última terça-feira, biscoitos e laranjas eram o
que havia no cardápio. A direção da Escola espera concluir nos próximos meses
uma reforma para começar a fornecer uma alimentação mais consistente.
- Aqui, a gente não tem nada de muito
atrativo. Contamos apenas com a vontade do Aluno de estudar - admite a diretora
da Escola, Rose Léa Silva Dias.
A unidade é nova, e os 15,2% são
referentes à única turma de Ensino médio regular que o colégio possuía em 2011.
A diretora questiona o número. Diz que, de 50 matriculados no início do ano, 11
(22%) foram aprovados:
- Estamos cercados por oito
comunidades que não foram pacificadas. Já houve um dia, no ano passado, em que
olhamos para o muro da Escola e havia aquela luz vermelha, da mira laser de uma
arma. O Caveirão (blindado da PM) já ficou várias vezes aqui na porta. Nesses
dias, é ainda mais difícil ter Alunos que venham - ela diz.
A diretora admite que muitos jovens só
frequentam a Escola nas duas primeiras semanas ou no primeiro mês de aula:
- Há aqueles que só querem pegar o RioCard (gratuidade no transporte).
- Há aqueles que só querem pegar o RioCard (gratuidade no transporte).
Na última terça-feira, dois ex-Alunos
do 1 ano do Ensino médio em 2011 estavam na Marechal Estevão Leitão de
Carvalho. Novamente, numa sala de 1 ano. Com cara de menina, Andressa Francisco
da Silva, de 18 anos, conta que decidiu largar o emprego para se dedicar aos
estudos. A decisão, no entanto, ainda é motivo de forte discussão familiar.
- Estou conversando com o meu marido
para ver o que a gente faz. No primeiro bimestre desse ano, tive de novo notas
ruins porque estava trabalhando - comenta a jovem que já é mãe de uma filha de
2 anos de idade.
Um dos Professores de Andressa é o
também jovem André Magliari, de 25 anos. Lá, ele leciona português.
- É difícil porque a maioria dos
Alunos trabalha. Atividades para casa, por exemplo, tenho que evitar. Mas ainda
acredito que é possível - diz o Professor.
Com 94,8%, o Colégio Estadual José
Leite Lopes, na Tijuca, foi o que mais aprovou na rede estadual no ano passado.
A Escola ganhou o nome de Núcleo Avançado em Educação (Nave), após o governo
estabelecer uma parceria com a operadora de telefonia Oi. Em segundo lugar
(94,3%), ficou o Colégio Erich Walter Heine, em Santa Cruz, construído com o
apoio da siderúrgica ThyssenKrupp. Entre as de melhor desempenho (87,2% de
aprovação), uma boa surpresa foi o Colégio Estadual Professor José Accioli, em
Marechal Hermes. A unidade oferece o curso normal médio, de formação de
Docentes. Sem grandes fórmulas mágicas, seu forte está mesmo nos profissionais.
- Acho que nosso grande diferencial é
o Professor. E uma gestão participativa - destaca a Professora Kátia Gil.
Também Professora da Escola, Ana
Maria Barros da Silva completa:
- Ninguém vem para cá só para cumprir horário.
- Ninguém vem para cá só para cumprir horário.
O Colégio Professor José Accioli
funciona em horário integral já que recentemente o Ensino normal de quatro anos
foi reduzido para três. Também tem suas dificuldades, já que somente nas
próximas semanas terá uma cozinha pronta para servir refeições. O improviso das
quentinhas no micro-ondas, porém, não tem prejudicado o desempenho dos Alunos.
Na verdade, das alunas, com poucas exceções.
- Temos alguns meninos, sim. E muito
bons! - garante a diretora Maria Eduarda Marques Rodrigues.
Para tentar fazer com que casos como
o do Colégio Professor José Accioli não sejam raridade, a secretaria estadual
de Educação promove um processo de reformulação que passa pela mudança de
gestores - foram trocados cerca de 500 diretores e adjuntos em 2011 -, além da
própria reavaliação do compartilhamento de prédios com a prefeitura. Um novo contrato
de parceria já foi assinado para que o uso das instalações seja permitido
integralmente.
- Também estamos levantando imóveis
para a criação de novas unidades. Este ano, estamos preparando uma nova
metodologia de Educação de Jovens e Adultos (antigo supletivo). Queremos que
seja atraente para o Aluno que estuda à noite, com qualidade e flexibilidade -
afirma o subsecretário Antônio Neto.
Em Nova York, uma solução radical
O que fazer com Escolas com altos
índices de fracasso Escolar? Em Nova York, a solução adotada pelo ex-prefeito
Michael Bloomberg quando assumiu seu mandato em 2002 e iniciou uma ousada
reforma educacional, foi radical: fechá-las.
Quase cem unidades da rede de Nova
York já tiveram esse destino por terem registrado sucessivos resultados ruins
em avaliações feitas pela prefeitura. Antes de decretar o fechamento, no
entanto, a secretaria de Educação tenta oferecer apoio para a equipe reverter a
situação.
Quando não conseguem, o destino
dessas Escolas com altos índices de evasão e baixo aprendizado é mesmo o
fechamento. Troca-se toda a equipe da Escola e, no mesmo local onde funcionava
a unidade, às vezes são criadas duas ou três novas, com diretores e Professores
totalmente diferentes. A prefeitura argumenta que as novas Escolas têm tido, na
maioria dos casos, melhores resultados do que as antigas.
A medida, no entanto, é polêmica.
Muitas das Escolas sob o risco de fechar conseguiram evitar tal destino por
pressão dos pais e Alunos. Há relatos de equipes que realmente se esforçaram para
melhorar, mas não obtiveram os resultados desejados. Outra crítica à política é
que ela acaba por criar um clima de tensão nas Escolas sob o risco de serem
classificadas como fracassadas. Em vez de a equipe se unir, diretores e
Professores entram em conflito, jogando a culpa uns nos outros.
Fonte: O Globo (RJ)
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