A frase "Querer é poder" pode até soar batida, mas está longe de ser um clichê para Jonathan Gabriel Victorino Rodrigues, de 14 anos. Aluno da Escola Municipal Ary Quintella, na Vila da Penha, ele descobriu a força das palavras ao chegar a Paris, no mês passado, com mais três estudantes da rede municipal do Rio, para participar de um evento sobre a pedagogia do cinema, na Cinemateca Francesa.
Ao lado de aproximadamente 500 jovens italianos, espanhóis, portugueses, ingleses e italianos, além dos franceses, os cariocas acabaram entrando para a história do encontro, realizado desde a década de 90: esta foi a primeira vez que um país fora da Europa participou dessa experiência na Cinemateca, presidida pelo cineasta Costa-Gavras.
A viagem de Jonathan, Thays de Oliveira e Silva, Humberto Martins dos Santos e Iasmin da Silva, na verdade, começou em março deste ano, quando se inscreveram no projeto Imagens em Movimento. Idealizado pela diretora e montadora de cinema Ana Dillon, com patrocínio da Petrobras, ele foi apresentado à Secretaria municipal de Educação, que aceitou a proposta e decidiu oferecê-lo em dez escolas da rede, dentro do programa Cineclube.
Na Europa, cinema faz parte do currículo de escolas
Ao todo, 200 alunos estão aprendendo não só a analisar, mas a produzir filmes. Até o fim do ano, a meta é fazer 40 curtas-metragens. Eles serão apresentados na Mostra de Curtas na Cinemateca do MAM e, ainda, nas lonas culturais da cidade.
- Eles já fizeram curtas de um minuto, inspirados nas obras dos irmãos Lumière, os primeiros cineastas da História. Os filmes foram feitos com câmera fixa e apenas um ponto de vista - conta Ana, acrescentando: - Foi uma introdução, para entrarem em contato com o cinema e exercitarem o poder de escolha, tão fundamental na direção. Diz respeito ao enquadramento, à situação de luz, ao som, à escolha da locação.
O projeto Imagens em Movimento foi escrito por Ana durante seu mestrado na França, com o diretor de cinema Alain Bergala, criador do sistema francês de ensino de cinema nas escolas.
- Na Europa, muitas vezes o programa é oferecido no currículo das escolas. Aqui é oferecido como atividade extra. Mas isso é bom, porque o aluno faz essa escolha. Não dá para fazer arte se não for movido pelo desejo - avalia Ana.
Aulas são importantes para a formação de plateias
Padrinho do programa Cineclube da rede municipal, o cineasta Silvio Tendler ressalta a importância de incluir o cinema nos colégios:
- A proposta é alfabetizar visualmente. O audiovisual é uma linguagem, e o aluno precisa aprender desde a tenra infância. Isso está na vanguarda do que o país precisa para o processo de formação da cultura brasileira - diz Tendler, que aposta na formação de boas plateias.
- Esse aluno pode ser um espectador bem formado. Ninguém precisa ser condenado a trabalhar com cinema só porque aprendeu na escola.
Thays, por exemplo, que tem 12 anos e estuda no Ciep 301 (Lindolpho Collor), em Rio das Pedras, quer ser arquiteta:
- O aprendizado com o cinema pode ser útil no futuro, para eu divulgar um trabalho. Aqui aprendo algo muito importante, que é ter confiança.
Humberto, de 12, aluno da Escola Municipal Presidente Médici, em Bangu, e Iasmin da Silva, de 13, da Escola Nereu Sampaio, em Inhaúma, nunca pensaram em ser cineastas. Mas estão aproveitando as oportunidades.
Para chegar a Paris, os quatro venceram um concurso de críticas cinematográficas, feito entre os alunos do projeto. Nas escolas, são as professoras que sentem a melhora dos estudantes, que se tornaram mais aplicados, com medo de perder a vaga no Imagens em Movimento.
- Esse projeto dá uma nova visão de mundo, amplia os horizontes e mostra que é possível alcançar objetivos. Thays foi aplaudida de pé pela escola - lembra Heloisa Teixeira, diretora do Ciep 301.
Diretora do Ary Quintella, Fátima Travessa Pires acredita que o curso pode abrir portas no mercado de trabalho, além de ajudar a melhorar o desempenho em sala de aula:
- Eles podem ser atores, assistentes de direção, figurinistas. Mas a aula hoje faz o aluno pensar mais na importância do ensino. Que o português, por exemplo, é importante para ele falar, escrever bem.
No programa Cineclube, a Secretaria de Educação treina professores da rede, que exibem filmes nas escolas, promovem debates, levam alunos às mostras de cinema.
- Por coincidência, foi Alain Bergala que inspirou a criação dos cineclubes, que hoje funcionam em 210 escolas. As 151 Escolas do Amanhã (localizadas em áreas conflagradas) são beneficiadas - diz Catharina Vasconcelos Baptista, assistente da Gerência de Mídia da secretaria.
Empolgada com os resultados do seu projeto, Ana Dillon agora pensa em levar sua arte para outras cidades do país.
- O Rio está tendo uma experiência de vanguarda, que nem as escolas particulares têm. Este mês, por exemplo, recebemos convite para um festival na Coreia do Sul, mas não pudemos ir. É bom saber que reconhecem o trabalho dos alunos - comemora Ana.
O Globo (RJ)
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