Diversos estudos comprovam que um bom
professor é a variável mais importante na melhoria do desempenho dos
estudantes. Avaliar os docentes deveria, portanto, ser prioridade para governos
e gestores. No Brasil, contudo, um sistema efetivo de avaliação ainda engatinha
e uma prova nacional de seleção de professores, anunciada em 2009, nem sequer
saiu do papel. Uma das maiores barreiras à criação de tal sistema de qualidade são
justamente os professores. "As pessoas não gostam de ser avaliadas. Nós,
por natureza, gostamos de avaliar os outros, mas quando somos o objeto dessa
avaliação reagimos mal e resistimos", diz Alexandre Ventura, pesquisador
português responsável pela implementação do sistema de avaliação de docentes em
Portugal. Ventura, que está no Brasil para participar do maior evento de
educação da América Latina, o Educar/Educador, que foi aberto quarta-feira, 16, em São Paulo, concedeu a seguinte entrevista ao site de VEJA.
Existe resistência por parte dos
docentes a avaliações? As
resistências dos professores a sua avaliação não são muito diferentes da
resistência de outros profissionais. As pessoas não gostam de ser avaliadas.
Nós, por natureza, gostamos de avaliar os outros, mas quando somos o objeto
dessa avaliação reagimos mal e resistimos. Procuramos frear essa tentativa de
controle que é a avaliação. Também não costumamos ter muita confiança no
resultado dessas avaliações. Temos medo das consequências: hierarquização,
redução da remuneração ou demissão. Não acreditamos que os resultados
correspondam àquilo que desejamos. Todos nós temos uma autoimagem e ela
geralmente é positiva. Então, de forma ostensiva ou dissumulada, as pessoas
reagem às avaliações. Na teoria, todos são favoráveis a avaliar, mas quando ela
se concretiza – ou tem chances de se contretizar –, existe uma reação
contrária. Quando falamos de organizações sindicais, as coisas se
potencializam.
É muito difícil avaliar o professor? Sim. Estamos falando da atuação de um profissional
extremamente complexo, que precisa ter domínio científico do conteúdo que
leciona, deter ferramentas pedagógicas para transmitir esse conhecimento e
ainda manter um bom relacionamento com os estudantes. As pesquisas ao longo dos
últimos 40 anos nos mostram que medir tudo isso em uma avaliação é trabalhoso e
delicado. É preciso tempo, dinheiro e planejamento para levar a cabo uma
análise competente.
A corrente que defende a avaliação
dos docentes é recente? Esse é um
assunto que vem sendo discutido há muito tempo, principalmente nos Estados
Unidos. Essa corrente nasce quando pesquisas mostram que o professor é a
variável mais significativa no sucesso ou insucesso dos alunos. Há pelos três
décadas, sabe-se que um professor bom ou muito bom influencia de forma
significativa o aprendizado. A partir daí, compreende-se que a avaliação do
professor é de extrema importância. Com a globalização e a circulação mais
rápida de conhecimento, essa ideia se espalha com mais rapidez. As avaliações
internacionais praticadas nos últimos anos também contribuíram para a
disseminação da ideia de que é preciso avaliar o professor. Nenhum país gosta
de ficar mal na fotografia e muitos perceberam que investir no professor é a
chave para o progresso.
Como são feitas as avaliações ao
redor do mundo? Ainda existe uma heterogeneidade
entre os modelos. Na França, a avaliação é feita pela equipe pedagógica da
escola. Na Inglaterra, o responsável é o diretor da escola, e avaliadores
externos também são treinados para a avaliação. Em Portugual, são os próprios
professores que avaliam uns aos outros. Não existe um consenso sobre qual
modelo funciona melhor. Eu diria que um modelo bastante eficaz seria o que
misturasse avaliadores externos e internos. Mas trata-se de uma alternativa
onerosa e pouco utilizada.
Como desenvolver uma avaliação
eficaz? O aspecto essencial é que ela seja
justa e eficaz. É preciso transparência nos objetivos para que isso desperte
confiança por parte dos professores. É preciso também que ela não se baseie em
um único aspecto do desempenho do professor. Isso costuma ser tentador para
muitas escolas: avaliar apenas o plano de aula dos docentes ou apenas a maneira
como eles se portam na sala de aula. Isso só não basta. Por outro lado, corre-se
o risco de avaliar muitas coisas e, ao final das contas, não se avaliar nada. É
preciso ter a medida certa ou o caldo desanda. Por fim, é preciso treinar bem
os avaliadores, sejam eles agentes externos ou internos da escola.
O que fazer com os resultados dessas
avaliações? Em primeiro lugar, só faz sentido
levar a cabo a avaliação de desempenho dos professores se ela vier para
enriquecer a prática docente e, consequentemente, a educação. Fazer da
avaliação um fim em si mesma é prejudicial. Neste caso, é melhor não ter
avaliação alguma. O objetivo essencial é encorajar a melhoria de professores e
escolas. Aqueles que são bons, precisam ser ainda melhores; aqueles que estão
aquém do desejado, precisam encontrar suporte para melhorar suas práticas. Em última
instância, defendo o afastamento de alguns profissionais que, por uma série de
fatores, não podem ser professores. Insistir em ter essas pessoas na sala de
aula é prejudicar o desenvolvimento do país.
Uma prática comum nas escolas é a
autoavaliação. Ela é eficaz? A
autoavaliação é indispensável. Fazer com que escolas e professores se olhem no
espelho e reflitam sobre suas práticas é um ótimo exercício. Ela ajuda também a
desenvolver uma cultura de avaliação, e isso ajuda na hora da realização de uma
avaliação externa. Isso não quer dizer, porém, que apenas a autoavaliação
baste.
É possível afirmar que se os
estudantes de um país vão mal em avaliações nacionais ou internacionais seus
professores são ruins? É
extremamente perigoso estabelecer uma relação direta entre o resultado dos
alunos e a qualidade dos professores. A competência dos docentes certamente é
um fator que propicia um melhor aprendizado, mas ele precisa estar orquestrado
com outras variáveis. Não é possível reduzir o sucesso ou insucesso de um
sistema a apenas um fator de uma engrenagem bastante complexa.
Fonte: Veja.com
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