O diplomata e escritor Joaquim
Nabuco, no século 19, avisava que a escravidão penetraria, silenciosa, por
muito tempo na sociedade brasileira e acabaria como uma “característica
nacional”. Dito e feito.
No entanto, discussão sobre o sistema
de cotas raciais ou sociais nas universidades públicas oculta uma situação bem
mais profunda e complexa no cenário da educação brasileira.
Ser ou não constitucional, as ações
afirmativas nunca foram unanimidade na opinião pública; isso desde os anos
sessenta no governo Kennedy, nos Estados Unidos. O motivo é claríssimo a todos
os lados que compõem o fervor dos debates: um sistema de cotas parte do direito
de igualdade de acesso e tem o objetivo de corrigir provisoriamente uma
distorção histórica (a falta desse acesso); uma realidade que levou anos para
se consolidar – como previu Nabuco. É uma política que se almeja provisória.
Olhando com mais atenção, quem é o
negro pobre que chega à universidade hoje?
É literalmente um sobrevivente.
Alguém que persistiu e resistiu a todas as tentativas de o arrancarem à força
do sistema formal de ensino – antes da universidade.
Acredito e insisto que é nele, no
ensino básico, bem antes da universidade, que reside a chave para a cadeia
problemática para todo o acesso e manutenção da qualidade da educação nacional.
Parafraseando o educador
norte-americano Geoffrey Canada, continuamos mantendo uma vergonhosa “fábrica
de desistentes” em nossa educação pública. Os números estão na casa dos 30%,
40%. A universalização do ensino vira uma pífia lorota partidária perto dessa
realidade.
Não há uma pesquisa que não aponte o
desinteresse do estudante como fator preponderante da evasão, seguido da
necessidade de se trabalhar. O crescimento do Brasil acompanhado de
distribuição de renda, em médio prazo, resolve a última.
Mas se as políticas públicas não
atentarem à educação artificial, irreal, feita “de isopor” que o currículo
proporciona aos seus estudantes, não há crescimento econômico que irá
solucionar esses índices.
Neste momento, no Brasil, que me
desculpem os economistas, o que menos importa é a universidade. Um ensino
básico com capacidade de reter o jovem é capaz, por si só, de formar seres
humanos autônomos capazes de girar a economia, política e cultura do Brasil. E
de fazer com que negros, pobres e mulheres cheguem aos milhões à universidade
sem a necessidade de cotas.
A maneira com que as políticas
públicas se constroem acaba por impedir que o Estado multiplique as centenas de
excelentes práticas educativas desenvolvidas por ONGs, comunidades, escolas e
universidades. Há limitação em convênios, burocracia em excesso e vontade política
em escassez para mudar.
Construir uma escola interessante que
retenha o estudante não é perfume, mas necessidade de sobrevivência urgente.
Esse é daqueles problemas que se não
dermos a devida atenção, seremos dragados por ele em curtíssimo prazo. E não
haverá universidade ou cota que dê jeito nisso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário