Imagine, em um mundo sem internet, o
dia em que professores são avisados que dali para frente uma ferramenta de
pesquisa permitirá aos seus alunos ler, assistir, ouvir e discutir sobre
qualquer assunto. Qual seria a reação dos educadores? Para especialistas, há
muito motivo para comemorar: a chance de obter êxito no aprendizado aumenta. Na
vida real, a recepção não foi bem assim. A falta de adaptação do professor às
novas tecnologias e ao aluno influenciado por elas são tema do segundo dia da
série especial do iG sobre os problemas na formação do docente.
Incluída ou não na aula, presente ou
não na escola, a internet faz parte da rotina dos alunos. Em 2008, quando
apenas 23% dos lares estavam conectados segundo o Ibope, o instituto já
apontava que 60% dos estudantes tinham acesso à rede de algum modo. Em pesquisa
realizada nas escolas estaduais do Rio de Janeiro em 2011, 92% disseram estar
online ao menos uma vez ao dia.
“O professor pode escolher como
tratar a internet, mas não pode ignorá-la”, diz o pesquisador emérito de
Ciências da Educação da Universidade de Paris 8 e visitante na Universidade
Federal do Sergipe, Bernard Charlot. Ele vê duas possibilidades para o
educador: fazer o que a máquina não sabe ou ser substituído.
“Ninguém pode concorrer com o Google
em termos de informação. O professor que ia à frente da sala apresentar um
catálogo vai desaparecer em 20 anos e ser substituído por um monitor”, afirma
sem titubear, emendando um alento: “Por outro lado, o professor que ensina a
pesquisar, organizar, validar, resolver problemas, questionar e entender o
sentido do mundo é cada vez mais necessário.”
O pesquisador defende que o aparente
problema de falta de entrosamento com a tecnologia na verdade é a lente de
aumento que a internet colocou sobre a falta de formação para a docência. “Não
é que o professor não sabe ensinar a pesquisar na internet, é que ele não sabe
ensinar a pesquisar. Muitas vezes é mais simples ainda: o professor não sabe
como ensinar.”
Para ele, a culpa não é do
profissional, mas do sistema engessado que além de não formá-lo não o deixa
fazer diferente. “Não faz sentido começar um trabalho na internet e, depois de
50 minutos, dizer: a gente continua semana que vem. Assim como cada professor
cuidar de uma disciplina, como se os assuntos não fossem relacionados, ou
tratar de temas sem mostrar na prática para que servem na sociedade tornam a
escola sem sentido.”
A doutora em linguística e
especialista no impacto da tecnologia na aprendizagem Betina von Staa também
culpa principalmente o sistema de ensino pela falta de aceitação da tecnologia.
“Muitos professores não aceitam trabalhos digitados apenas para evitar cópias.
A preocupação é maior com o controle de notas do que com as possibilidades de
aprendizado”, lamenta.
Na opinião dela, o aluno precisa de
orientação para procurar informações confiáveis e questionar dados encontrados
na internet. “Todas as pesquisas apontam que a tecnologia traz benefícios,
porém desde que venha com formação dos professores para dar apoio.”
O Colégio Ari de Sá, em Fortaleza, é
um exemplo de exceção na introdução da tecnologia na sala de aula. Além de
equipamentos - lousas digitais, computadores e até tablets para os alunos que
preferirem o equipamento aos livros - a escola tem formação para os professores
diariamente e no contexto das aulas. O coordenador de informática educativa,
Alex Jacó França, passa em cada sala tirando dúvidas dos professores e dá dicas
de como incluir ferramentas online em cada tópico.
"Muitos temas que passariam sem
grande interesse aos alunos acabam ganhando vídeos e experimentos que os
marcam. Quanto mais o professor conhece, maior a liberdade que dá ao aluno no
formato de suas pesquisas e melhor o aprendizado", garante o especialista.
Para ele, mesmo nos casos em que as escolas não têm equipamento, o conhecimento
do professor para incentivar o uso de tecnologias e a abertura para deixar os
alunos irem além dos livros faz a diferença.
Durante fórum sobre tecnologia e
educação promovido pela Blackboard no último dia 12, em São Paulo, educadores
estrangeiros sustentaram opinião parecida. A diretora de avaliação da
Universidad Cooperativa de Colômbia, Maritza Randon Rangel, afirma que a
democratização do acesso à rede dá oportunidade para que mesmo escolas rurais e
afastadas tenham desempenho equivalente às que estão mais próximas de recursos
culturais e financeiros. “Tivemos êxito com isso na Colômbia, mas além das
máquinas é preciso uma equipe com objetivos claros.”
Já a pedagoga Patrícia Patrício,
mestre em Formação de Professores pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) e autora do livro “São Deuses os Professores?”, defende que os
educadores de sucesso conseguem êxito com ou sem ajuda da escola. “Em geral
profissionais que se destacam fazem isso, apesar da escola”, conta.
É o caso de professores premiados em
todas as edições das Olímpiadas Brasileiras de Matemática, como Antonio Cardoso
do Amaral, de Cocal dos Alves, no Piauí, e Maria Botelho, de Uberlândia, em
Minas Gerais. Ambos não têm formação ou estrutura tecnológica acima da média da
rede pública nas escolas, mas incentivam os alunos a usá-la em casa e valorizam
dúvidas e exercícios trazidos dentro ou fora do contexto da aula. “Às vezes
chego em casa e um aluno me deixou uma dúvida no Facebook, eu adoro, significa
que eles estão indo além da aula”, diz Botelho.
Fonte: iG
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