domingo, 20 de maio de 2012

Ensino básico: disciplinas demais, qualidade de menos

Matemática, Português, História, Geografia, Língua Indígena, Organização dos Poderes, Leitura e Educação para as Mídias e Cultura de Paz. Achou estranho? Pois essa é apenas uma amostra de como seria o Ensino médio brasileiro caso as dezenas de novas disciplinas em análise no Congresso Nacional fossem aprovadas, hoje. Nem mesmo 24 horas por dia de aula seriam suficientes para tanto conteúdo. E, hoje, elas já são muitas.
Nos últimos anos, três novas matérias e conteúdos foram incluídos na Educação básica, sendo dois deles para o Ensino médio: Filosofia e Sociologia. Na mesma linha, há projetos de lei com a intenção de incluir Psicologia, Artes Cênicas, Artes Plásticas e Introdução ao Direito. Novos temas também passaram a ter abordagem obrigatória, como cultura afro e indígena. E pelo menos outros três estão em análise. 

Mais tempo
Desde 2010, as Escolas da rede estadual do Espírito Santo têm ampliado a carga horária do Ensino médio para dar conta das novas disciplinas e também para melhorar o desempenho dos Alunos. A carga horária é de cinco horas diárias, sendo que, em 218 Escolas, alguns dias são estendidos para tempo integral.
Ainda assim, são oito disciplinas no Ensino fundamental e 12 no Ensino médio. Uma conta que faz a carga horária de Português cair de 201 horas de aula por ano, na 8ª série do Ensino fundamental, para 161 horas, no 1º ano do Ensino médio. O tempo dedicado a História e Biologia também acaba se igualando ao de Educação Física e Arte, no Ensino médio: são 80 horas para cada, por ano.
Enquanto o currículo "incha", a qualidade deixa a desejar. No Estado, dados do Programa de Avaliação da Educação Básica (Paebes) de 2011 mostram que nove em cada dez estudantes da rede pública saem do Ensino médio sem saber os conteúdos necessários de Biologia, Química e Física.
Em Matemática, 82% dos Alunos deixam o 3º ano do Ensino médio sem saber o que deveriam. E em Português, o percentual é de 71%, sendo que no Ensino médio é de 57% – situação que se repete em todas as outras disciplinas. 

Cautela
A subsecretária Estadual de Educação, Adriana Sperandio, defende a inclusão recente das disciplinas de Sociologia e Filosofia, mas pondera: "Nem todos os assuntos que preocupam a sociedade podem se tornar disciplinas. Alguns podem, e devem, estar presentes na formação dos estudantes, mas não de maneira isolada", diz.
Em 2009, a rede estadual concluiu uma revisão curricular em que definiu conteúdos que devem ser inseridos ou retirados. "Esse processo será revisado, este ano, porque o currículo precisa estar sempre atualizado, priorizando aquilo que enriquece o Ensino", avalia. 

Objetivos
Para a especialista em Gestão Educacional da Fundação Itaú Social, Patrícia Motta Guedes, novos conteúdos e carga horária estendida só melhoram a qualidade do Ensino se as redes souberem o que esperam do Aluno ao final da etapa educacional.
Um currículo mais "enxuto", afirma, pode oferecer mais possibilidade de aprofundamento dos conteúdos do que aqueles que tentam ser completos. "Na Inglaterra, por exemplo, o Aluno cumpre um currículo básico e, depois, pode optar por matérias eletivas, como tecnologia, introdução à administração e ciências sociais. Ele constrói o seu aprendizado a partir dos seus interesses, e não por obrigações", explica. 

Especialista é contrário a novas matérias
Para o membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e relator das diretrizes curriculares nacionais para o Ensino médio, José Fernandes de Lima, a Escola está recebendo uma tarefa muito maior do que deve ter. "Sou contrário à criação de novas disciplinas obrigatórias. Elas inibem a organização pedagógica da Escola e eliminam a chance de torná-la atraente", diz.
Lima explica que as diretrizes curriculares já propõem um núcleo comum de disciplinas, composto por Língua Portuguesa, Matemática, Ciências e Ciências Sociais.
Tudo o que vai além disso – ele defende – deve ser tratado como assunto, e não disciplina, com carga horária específica e Professores contratados exclusivamente para ela.
"O Congresso Nacional e a sociedade entendem que a Escola deve se preocupar com uma série outros temas que estão colocados, como uso de drogas, política e direito do consumidor, mas criar disciplinas para cada uma dessas coisas não é a melhor forma de abordar os assuntos. Pelo contrário, isso dificulta a execução da principal tarefa da Escola, que é ensinar o gosto pela aprendizagem", justifica.
Ainda segundo Lima, o constante surgimento de novas leis para a Educação é uma preocupação comum de países em desenvolvimento. "Tenta-se resolver problemas externos por meio da Escola, que acaba se desviando das suas funções", frisa.
Fonte: A Gazeta (ES) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário