Um professor com poucas oportunidades
de aprender a dar aula é como um médico que não sabe tratar do paciente ou um
advogado que não conhece os caminhos para defender o réu. Mas o que parece tão
contraditório é uma realidade no caso dos educadores. O problema é comprovado
por pesquisas, práticas e maus resultados que são tema de série que o iG
Educação publica de hoje até quinta-feira.
Em todas as etapas de formação, os
docentes enfrentam restrições ao aprendizado do próprio ofício. A universidade
reserva a menor parcela do curso a lições de como ensinar, a bibliografia sobre
o assunto é desproporcional à demanda e o tempo de aprendizado dentro da escola
– apesar de previsto em lei – é desviado para assuntos burocráticos.
Para piorar, o modelo pelo qual os
próprios professores aprenderam e que muitos replicam há décadas empaca diante
de uma geração moldada pela facilidade e rapidez de resposta da internet. “A
sociedade não precisa mais de alguém que traga a informação. Isso o computador
pode fazer. No entanto, a sociedade precisa cada vez mais de um mestre que
ensine a pensar, a resolver problemas, a produzir conhecimento. Só que dificilmente
o educador sabe como fazer isso”, resume o professor emérito em Educação na
Universidade de Paris 8 e visitante na Universidade Federal de Sergipe, Bernard
Charlot.
Na opinião dele, os problemas de
formação são potencializados pela tecnologia a que os alunos têm acesso, mas
continuam sendo os mesmos. “A questão não é se o professor sabe promover o
aprendizado naquele ambiente, mas se ele tem repertório para ensinar em vez de
reproduzir informação”, diz.
Pesquisas mostram que o problema
começa enquanto o futuro mestre ainda é o aluno. A Fundação Carlos Chagas
analisou detalhadamente os currículos de 94 faculdades de Letras, Matemática e
Ciências Biológicas em todas as regiões do País por dois anos e concluiu que o
“como ensinar” está longe de ser o foco dos cursos.
Em Letras, apenas 5,8% das aulas
focavam em “didáticas, métodos e práticas de ensino”, em Matemática, 8% e, em
Biológicas, 10%. Todo o restante do curso forma especialistas em cada área,
explica o sistema educacional, expõe fundamentos teóricos ou mesmo apresenta
“outros saberes”. A introdução de temas tecnológicos apareceu em apenas 0,2%
dos currículos.
Os dados da pesquisa, publicada em
2008, até agora não geraram mudanças sistemáticas. Dentro de limites genéricos
como “fundamentos teóricos” e “conhecimentos específicos”, as universidades têm
autonomia sobre os conteúdos dos cursos e, como simples orientador, os governos
que tomam iniciativas têm resultado tímido na mudança dos currículos de
faculdades para professores.
No Espírito Santo, a gerente de
formação do magistério da Secretaria de Educação, Tania Paz, chamou 33
faculdades para debater os resultados e propor mudanças. Só 23 aceitaram. Ao
longo de um ano foram nove encontros em que a Fundação Carlos Chagas
participou, mas ao final não é possível dizer se haverá alteração prática.
“Mostramos para eles nossas necessidades em sala, mas dentro das instituições a
decisão é dos coordenadores de curso”, afirma a gerente.
Para ela, a dificuldade na formação é
a base da crise educacional que o País enfrenta. “Fizemos uma avaliação
diagnóstica do que era preciso melhorar no sistema a partir das dificuldades
dos alunos e a conclusão é sempre a mesma: o professor”, afirma, ponderando que
o profissional é, ao mesmo tempo, vítima e reprodutor do problema. "Muitos
já escolhem a profissão por não conseguir aprovação nas carreiras mais
concorridas por conta de uma educação ruim que tiveram e vão perpetuar enquanto
não conseguirmos buscar formas de compensação."
O Ministério da Educação também
encontrou um problema ainda anterior aos currículos das faculdades: a falta de
livros sobre didática. Um edital para compra de material aberto de 2008 a 2011
resultou em apenas 100 obras aprovadas, segundo o então ministro da Educação,
Fernando Haddad. “Mundo afora, você vai ver que chega a centenas de milhares de
títulos. No Brasil, se uma pessoa iluminada quiser fazer mudanças num curso de
licenciatura, vai ter de forjar o próprio material”, comentou às vésperas de
deixar o cargo, em janeiro.
Na época, ele dizia que a colaboração
do governo federal seria montar uma prova para professor que seria baseada em
didática e acabaria incentivando a mudança nos cursos. "Hoje, 70% dos
concursos públicos para admitir educadores são feito de questões jurídicas.
Está mais para teste da OAB do que docência", comentava. Até o momento, no
entanto, não há anúncio oficial da avaliação anunciada há dois anos.
Fonte: iG
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