Ainda de madrugada, Ivonilde Pereira
dos Santos atravessa algumas ruas para deixar Ezequiel, filho mais novo de uma
prole de sete, na casa de uma conhecida. Pelos cuidados com o menino de três
anos, a auxiliar de serviços gerais desembolsa R$ 130 por mês. “Faz muita falta
esse dinheiro no meu orçamento”, diz a mulher, depois de um dia de trabalho que
começa às 6h e termina às 15h. A solução encontrada por Ingrid Araújo de Jesus
foi largar o emprego em uma sorveteria no Plano Piloto quando Yasmin, de um
ano, nasceu. “Não ia compensar. Teria que pagar R$ 150, no mínimo. O jeito é
esperar que ela cresça mais um pouco”, diz a mãe da bebê. Tanto Ivonilde quanto
Ingrid já perderam as esperanças de ter uma Creche pública para atendê-las. Não
se encantam nem com a promessa requentada pela presidente Dilma Rousseff, que
na última semana anunciou a construção de 6.247 unidades de Educação infantil
até 2014.
A meta é exatamente a mesma do
Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede
Escolar Pública de Educação Infantil, existente desde 2007 e conhecido pela
sigla ProInfância, agora rebatizado de Brasil Carinhoso. O Ministério da Educação,
que gerencia o ProInfância, já repassou recursos a prefeituras para a
construção de 4.050 Creches em todo esse período, mas apenas 347 unidades estão
em funcionamento — 5% das obras encomendadas. Outras 86 unidades que já foram
levantadas, e por isso constam nos registros do governo federal como
“concluídas”, embora não tenham aberto as portas, padecem de todo tipo de
problema, desde demora nas licitações até falta de dinheiro para equipar os
espaços e contratar profissionais. Diante do quadro, não é difícil compreender
por que no Brasil apenas 12,4% das crianças de até 3 estão matriculadas em
unidades educacionais. Até os 5 anos, o índice sobe para 18%.
O cientista político Daniel Cara, coordenador da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação, observa que, embora a Creche seja a etapa
Escolar que demanda mais dinheiro, cerca de R$ 7,4 mil por mês para cada Aluno,
é a que menos recebe investimentos. “A média dos recursos repassados pelo
Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação) para as prefeituras é de R$ 2 mil. E
sabemos que 85% dos municípios não têm arrecadação, então dependem apenas
desses repasses”, afirma o especialista. Para fins de comparação, o custo de um
Aluno no Ensino fundamental ou no Ensino médio não ultrapassa R$ 3 mil. Os
dados foram calculados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, no
estudo Educação pública de qualidade: quanto custa esse direito?
Já Ingrid largou o emprego por não ter onde deixar a
pequena Yasmin
Outra meta longe de ser atingida, quando o assunto é
Creche no Brasil, está no Plano Nacional de Educação, que previa 50% das crianças
de até três anos matriculadas em 2010. “A evolução tem sido tão ruim, que o
novo plano, prevendo as metas para 2020, repete esse índice”, afirma o
conselheiro do Movimento Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos. Segundo ele,
a dificuldade na construção das unidades de Educação infantil começa pela
especificidade da obra. “Não dá para ampliar, reformar, como no Ensino regular.
É uma modalidade completamente diferente, em que o Aluno precisa mais de
cuidado do que de Educação no sentido estrito”, afirma.
Desenvolvimento
Mas não há dúvidas, segundo o pesquisador Aloisio Araújo,
autor de Aprendizagem infantil – uma abordagem da neurociência, quanto aos
ganhos. “Está provado que essas horas diárias de leitura em voz alta, de
contato com os números, de brincadeiras orientadas, fazem muito bem ao
desenvolvimento da criança. Por isso, enfatizo que não adianta ter Crecheruim,
as consequências podem ser sérias”, destaca. Enquanto isso, no Distrito
Federal, que tem a pior cobertura do país, com apenas 3,6% das crianças de até
três anos matriculadas, Ezequiel tem que se contentar com o improviso da casa
da vizinha. “Posso trabalhar tranquila, mas sei que se ele estivesse em uma
escolinha seria bem melhor, teria desenvolvido mais”, afirma Ivonilde. Ingrid
sabe que, mais cedo ou mais tarde, o destino de Yasmin, hoje muito pequena,
será o mesmo. “Se tivesse uma Creche pública, nossa vida seria outra”.
A construção de uma Creche leva em
média de um ano e meio a dois anos para ser finalizada, de acordo com cálculo
do Ministério da Educação (MEC). Só a etapa de licitação chega a demorar seis
meses. Essa é a justificativa da pasta para a evolução pouco expressiva no
número de unidades concluídas do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição
de Equipamentos para a Rede Pública de Educação Infantil (ProInfância). A
omissão de prefeituras, que alegam falta de recursos para colocar o espaço em
funcionamento, tem sido outro motivo apresentado pela pasta.
O conselheiro do Movimento Todos Pela
Educação, Mozart Neves Ramos, compreende as dificuldades inerentes ao processo
de construção, mas considera um erro atribuir às prefeituras o não
funcionamento. “O MEC sabe qual prefeitura tem condições de arcar com os custos
de funcionamento e manutenção. Por que assina convênios com quem não poderá
oferecer o serviço? É passar um cheque em branco para fazer média e depois
esquecer”, critica.
Quanto ao Brasil Carinhoso, o
Professor tem opinião realista. “Lançar um programa é fácil, já fui gestor
público. Difícil é criar mecanismos de acompanhamento, corrigir os processos e
perseguir o cumprimento das metas”, diz. O MEC tem à disposição o Sistema de
Informações Integradas de Planejamento, Orçamento e Finanças (Simec),
ferramenta que mostra o andamento detalhado do processo da obra. Há até fotos
das Creches em funcionamento. “Recurso para gerenciar existe, isso é fato”,
finaliza o representante do Todos pela Educação.
Fonte: Correio
Braziliense
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