Enquanto professores saem às ruas de
diversas partes do País para cobrar o cumprimento da lei que definiu o piso
nacional do magistério, o especialista em educação Gustavo Ioschpe defende que
reajustar os salários não significa que a educação no País vá melhorar.
"Há centenas de estudos empíricos, publicados em revistas acadêmicas,
estimando a relação entre salário de professores e aprendizado de alunos. A
esmagadora maioria desses estudos não demonstra existir essa relação. Aumentar
salário de professores não é um caminho para a melhoria da qualidade da
educação", afirma.
O economista classifica a discussão
em torno do piso salarial como algo sem fundamento. "É surpreendente e
decepcionante que o País perca tanto tempo com uma discussão que toda a
experiência internacional e brasileira já demonstrou ser infrutífera",
completa.
Mas o panorama do ensino brasileiro
tem despertado opiniões adversas. "Entre os componentes da qualidade de
ensino no mundo todo, é indispensável a ideia de garantir uma boa remuneração
para os professores, capaz de dar segurança para trabalhar", diz o
professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Rubens
Barbosa de Camargo, que acredita na lei do piso do magistério como uma garantia
para os profissionais.
Acompanhadas de mobilizações da
categoria, as discussões em torno do salário dos professores têm lançado luz à
relação entre qualidade do ensino e condições de trabalho. De acordo com a
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), até 2 de abril, 17
Estados não pagavam o piso anunciado pelo Ministério da Educção (CNTE), de R$
1.451,00. Entre as maiores reivindicações dos professores, o piso foi
reajustado em 22,2%, de acordo com lei de 2008 e corresponde a pouco mais de
dois salários mínimos, mas não deve entrar em vigor em todos os Estados. O
valor é valido para profissionais com carga horária de 40 horas semanais.
Na opinião de Camargo, que é especialista em gestão de
sistemas e escolas, análise de políticas educacionais e financiamento público
da educação, o aumento dos salários é um dos primeiros passos para melhorar a
qualidade do ensino brasileiro. Entre as medidas que buscam garantir
vencimentos mais altos, está o Plano Nacional da Educação, atualmente em
discussão no Congresso Nacional, que visa a garantir salários equivalentes a
outros trabalhadores com mesmo nível de formação. "O próprio governo
reconhece essa defasagem. Professores da rede pública ganham cerca de 60% do
que ganham outros profissionais com mesmo nível de informação", afirma.
Educação no Brasil melhorou
Para Ioschpe, a educação no Brasil
tem melhorado. No entanto, ele faz ressalvas. "No primeiro Pisa, o mais
respeitado teste internacional de qualidade da educação, o Brasil ficou em
último lugar. Saindo de uma base tão baixa, era de se esperar uma melhora. Mas
a comparação do Brasil consigo mesmo é pouco relevante. O que importa é como o
Brasil está em relação ao resto do mundo, porque o fundamental para a
competitividade do País não é o esforço que ele está fazendo, e sim o resultado
que está alcançando", diz. O especialista garante que debates a respeito
de salário dos professores e porcentagem de investimento do PIB são
infrutíferos. "Dado o erro estratégico da maioria da discussão sobre
educação no Brasil, não há nada que sugira que teremos luz no fim do túnel.
Devemos continuar patinando", enfatiza.
No lado oposto, o professor da USP
aponta o aumento no investimento em educação como a saída para a melhora na
qualidade de ensino. Para Camargo, é equivocada a visão de que o único problema
são os recursos mal administrados. Na opinião do professor, as lacunas existem
em todos os níveis - desde a creche até a pós-graduação. A solução estaria em
dobrar os investimentos de 5% para 10% do PIB, garantindo menor número de alunos
por classe, processos de formação permanente aos professores e valorização
social da profissão por meio de condições de trabalhos mais adequadas.
"Ainda que de maneira muito incipiente, a situação
vem melhorando. A implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Educação Básica (Fundeb) e da lei do piso dão uma espécie de garantia para que
Estados e municípios tenham melhores condições para o pagamento de professores.
Além de começar a implantar o piso, algumas redes públicas também já pensam em
melhorar a infraestrutura das escolas com reformas e compra de
equipamentos" explica. Para o professor, as mudanças são reflexo de
programas criados ao longo de diversos governos e que, mesmo que ainda
timidamente, começam a surtir efeito sobre a educação básica no Brasil.
A formação dos professores
brasileiros também estaria se expandindo. É o que acredita Camargo, professor
da USP, que indica os cursos de especialização como uma das alternativas para a
melhora na qualidade de ensino. "Tem crescido o número dos professores das
redes públicas que se titularam. Em várias redes, esse é um pré-requisito para
evolução na carreira. A geração mais nova também quer se qualificar cada vez
mais", diz.
O número de matriculados em
faculdades para docência, de acordo com Ioschpe, também tem crescido.
"Segundo a sinopse estatística do ensino superior brasileiro 2010, do
Inep, há 923 mil alunos em cursos de graduação na área de educação nas
universidades brasileiras, quase um quinto do total de alunos no nosso ensino
superior. É o curso com mais matriculados no País", afirma. "Isso é
quase oito vezes o total de matriculados em todas as disciplinas de
humanidades, mais do que direito, mais do que administração, cinco vezes mais
do que todas as engenharias, mais do que todas as áreas de saúde juntas",
calcula.
A situação faria coro ao
contentamento dos docentes com a profissão. "Essa imagem que se criou do
professor brasileiro como o cara que trabalha no setor por falta de opção, que
ganha salário de fome, que precisa trabalhar em muitas escolas e que é vítima
da violência representa a minoria da minoria. As pesquisas mostram que os
professores estão satisfeitos com suas carreiras, optaram por ela, não
gostariam de trocar de profissão, trabalham em uma escola cumprindo carga
horária inferior à maioria das profissões e com férias mais longas, e ganha
aquilo que é de se esperar para o seu nível de formação e carga horária.
Enquanto não superarmos esses estereótipos e mistificações, a discussão
nacional não vai pra frente. Estamos discutindo falsos problemas",
enfatiza.
Na contramão de Ioschpe, Camargo
acredita que o interesse pelos cursos de licenciatura e pedagogia vem
diminuindo. "Acho que o grande fator é a questão das carreiras e dos
salários depois que saem da faculdade. Isso torna a carreira e a profissão
pouco atrativas e faz com que os jovens procurem outras profissões, com
atrativos mais interessantes. Conforme essas políticas de valorização docente
se consolidem no País por meio do Fundeb, do piso e de outras a serem
implementadas, quem sabe essa tendência seja revertida", diz.
Fonte: Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário