Crianças de 5 anos ainda não possuem
as competências necessárias para ingressar no ensino fundamental. É isso que
afirmam especialistas em educação infantil. Do ponto de vista pedagógico, elas
não são beneficiadas pela decisão da Justiça Federal de Pernambuco, que no dia
12 de abril decretou que menores de seis anos podem se matricular no ensino
fundamental.
Antes, apenas aqueles que
completassem 6 anos até o dia 31 de março do ano letivo a ser cursado tinham o
acesso garantido. A decisão – válida para todo o país - e que vai contra
resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) estende a data limite para o
aniversário para o dia 31 de dezembro. A decisão deverá ser comunicada pela
União às secretarias de Educação dos estados e do Distrito Federal em até 30
dias, sob pena de multa diária de 10.000 reais.
Márcia Malavasi, coordenadora do
curso de pedagogia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que
não há por que antecipar a entrada dos filhos no ensino fundamental e que o
ideal é que todas as crianças frequentem a pré-escola primeiro. “Colocar uma
criança tão nova dentro de uma sala de aula, nos moldes como é hoje, para ficar
sentada tendo aulas expositivas, pode ser penoso para ela”, considera.
Educadores concordam que na faixa dos
cinco anos a criança precisa de espaço maior para se movimentar e brincar e tem
o tempo de atenção limitado. Maria Regina Maluf, pós-doutora em psicologia e
professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), afirma
que nesta idade é muito difícil ficar sentada, por exemplo, por uma hora e meia
ouvindo o professor falar. “Aos 6 e 7 anos a criança tende a estar mais madura
para este estilo mais formal de ensinar, que se caracteriza o ensino
fundamental.” Além disso ela também terá dificuldades com operações lógicas,
exceto se tiver um desenvolvimento acima da média.
Outro ponto a ser considerado nessa
equação está relacionado ao desenvolvimento neurológico da criança. Nesta idade
estão sendo aprimoradas as relações sociais com o mundo. “Alfabetização exige
mais do que saber letras e não se aprende só brincando, é preciso
autocontrole”, afirma o professor João Batista Araujo e Oliveira, presidente do
Instituto Alfa e Beto, voltado principalmente à alfabetização.
Os critérios de seleção dos alunos
aptos e a própria estrutura do sistema de ensino devem ser levados em
consideração. O juiz Cláudio Kitner, responsável pela decisão, afirma que a
entrada com cinco anos no ensino fundamental pode acontecer desde que
comprovada a capacidade intelectual por meio de avaliação psicopedagógica, a
cargo de cada escola. Há controvérsias já que, segundo os educadores, as
escolas públicas não estão preparadas para tratar de forma diferenciada os
alunos e considerar as especificidades de cada um.
João Oliveira argumenta que é
primordial também saber o número de alunos em cada ano escolar para organizar
as vagas que serão oferecidas. “É lamentável essa decisão. Estabelecer uma data
limite de aniversário é uma atitude prática para organizar o serviço
educacional. Se não há critério, qualquer critério vale”, critica.
Este deve ser também um dos possíveis
argumentos utilizados pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) do Estado de São
Paulo caso opte por recorrer da decisão judicial. O órgão ainda estuda de que
forma o ensino paulista será afetado e que medida irá tomar já que há uma
resolução própria em vigor no estado. O presidente do conselho, Hubert
Alquéres, afirma que há o risco de muitos pais quererem matricular os filhos no
ensino fundamental e, na contramão, encontrarem escolas e professores
insuficientes para atender esta demanda. “É muito perigoso uma pessoa dar uma
decisão válida para todo o país sem estudar os impactos que terá. Isto
desorganiza os sistemas educacionais e cria uma expectativa nas famílias que o
estado terá dificuldade em cumprir”, afirma.
Segundo dados da organização Todos
pela Educação, com base no censo demográfico de 2010, há no Brasil 1.156.846
crianças de 4 e 5 anos fora da escola. Na faixa etária entre 6 a 14 anos esse
número é de 968.456.
Pré-escola e estímulos - Os
especialistas ressaltam, porém, que não é por considerarem precoce a entrada no
ensino fundamental aos cinco anos, que as crianças não possam iniciar levemente
o processo de alfabetização nesta idade, ou antes. A boa pré-escola, alertam, é
aquela que não se restringe apenas a brincadeiras.
Foi o que aconteceu com Letícia, que
irá completar seis anos apenas no dia 6 de junho. Ela entrou no maternal de uma
escola particular com dois anos e meio e passou por todos os anos
pré-escolares. Hoje, está alfabetiza e, segundo o pai, o aposentado Manoel
Oliveira da Silva, apesar de conviver com colegas mais velhos no 1º ano do
ensino fundamental, não tem dificuldades. “No pré ela não gostava muito, pedia
para faltar. Agora, está adorando, mais motivada, conta das coisas diferentes
que aprende”, afirma.
Já a partir dos 4 anos, explica Maria
Maluf, é desejável iniciar atividades que levem a criança a ter consciência da
linguagem, como desenhar letras, manipular livros infantis e ouvir histórias.
“Cabe à educação infantil sensibilizar ao sistema de escrita”, afirma. Desta
forma, o acesso ao ensino fundamental – quando chegada a hora – se daria de
forma mais plena e proveitosa.
Fonte: Veja.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário