A relação entre família, sociedade e
escola é o tema da edição deste ano da Feira Educar Educador, que começa nesta
quarta-feira (16), no Centro de Exposições Imigrantes, na Zona Sul de São
Paulo. O mestre em educação Marcos Meier vai dar a palestra que sintetiza o
evento: "Família, sociedade e escola: onde pretendemos chegar?". Para
ele, o professor tem sido obrigado a assumir uma tarefa que é relativa aos pais
na educação de crianças e adolescentes.
Ao viajar o Brasil dando palestras
para professores, o mestre em educação Marcos Meier, que já foi ele mesmo
professor de matemática no Paraná, se deparou com uma tendência preocupante a
partir dos depoimentos dos docentes. "O professor, que antigamente tinha
tempo para ensinar o currículo, hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a
indisciplina do aluno, fazendo-o sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas
da área da educação básica das famílias não está pronta, e o professor precisa
dar conta disso", afirmou.
Segundo o especialista, o acesso à
informação e tecnologia nos últimos anos tem feito com que as relações se
modifiquem e os adolescentes de hoje, vivendo em famílias cada vez mais
ocupadas e passando horas excessivas do dia com o telefone, o computador e o
videogame, não desenvolva os mecanismos de socialização necessários para o convívio
pessoal.
As famílias, para Meier, não devem
ser divididas em "estruturadas" e "desestruturadas" por
causa de sua formação, já que o aumento no número de divórcios tem criado novas
relações. Ele defende o enfoque na funcionalidade da família. "Existem
famílias com papai, mamãe e filhos que são desfuncionais, porque os pais não
dão atenção às crianças, e famílias sem o pai, mas em que a mãe faz um trabalho
maravilhoso, ou os avós e tios também ajudam", explicou.
A falta de tempo dos pais, também
cada vez mais conectados às tecnologias, faz com que os poucos momentos com os
filhos sejam de interação, com brincadeiras, jogos e diversão, e provoca a
escassez momentos de intimidade necessários para construir uma relação de
qualidade entre eles. O resultado é que as crianças hoje em dia chegam às
escolas cada vez mais indisciplinadas, aumentando assim a exigência dos
professores para manter a autoridade.
A
19ª Feira Educar/Educador mistura um amplo congresso com educadores com feira
de negócios - são mais de 150 empresas expositoras e cerca de 230 palestrantes
nacionais e internacionais. A feira vai até sábado (19). Leia a íntegra da
entrevista de Meier ao G1.
Do que se trata o tema geral da
Educar 2012?
Eu
farei a palestra-tema do evento, "Família, sociedade e escola: onde
pretendemos chegar?". A nossa sociedade hoje está sofrendo transformações
muito grandes em termos de acesso à informação e tecnologia, que faz com que as
relações se modifiquem. Os adolescentes antigamente se reuniam e ficavam horas
dançando ou batendo papo, fazendo festas de garagem. Então eles eram obrigados
a aprender a lidar com o cara chato, com o sarna, aquele que incomoda. O
adolescente tem a característica de corrigir um ao outro, pegar no pé, isso é
muito saudável para desenvolver mecanismos de socialização, a pedir com
licença, por favor, desculpa.
Com
a tecnologia, ele não tem mais a oportunidade do olho no olho, se não gostou de
um cara, ele bloqueia no MSN [mensageiro instantâneo], na sala de bate-papo. O
adolescente não está mais acostumado a aceitar crítica, ele fica frágil, não
suporta as críticas. Isso faz também com que, na escola, o professor que exija
um pouco mais é mal visto. O adolescente reclama, acha ruim, não está
acostumado a receber esse tipo de cobrança do professor que pega no pé.
Como a família influencia esse
comportamento?
A
indisciplina tem aumentado bastante justamente por causa do tempo. As crianças
estão cada vez menos sob orientação de um adulto. O pai dificilmente tem tempo
para ficar com os filhos, a mãe trabalhando fora ainda tem todas as atividades
da casa. Então ela tem momentos de interação, mas não tem momentos de
intimidade. Tem aquela hora de fazer bagunça, e eles deixam regras de lado,
ninguém quer pegar no pé do filho porque são tão poucos minutos para ficarem
juntos. Então não tem qualidade essa relação. E esse estilo cada vez mais
descomprometido tem efeitos na escola também.
Que efeitos?
As
crianças, que deveriam estar aprendendo a ter educação com os pais, acabam
chegando na escola totalmente indisciplinadas, batendo e xingando em vez de
conversarem. O professor, que antigamente tinha tempo para ensinar o currículo,
hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do aluno, fazendo-o
sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas da área da educação básica das
famílias não está pronta, e o professor precisa dar conta disso. De uma aula de
40 ou 50 minutos que poderia estar sendo muito bem aproveitada com conteúdo, 20
minutos com certeza estão sendo jogados no lixo. Isso vai irritando tanto o
professor, que depois não tem paciência na hora de explicar o assunto. Ele está
sendo exigido além da conta, o professor foi preparado para ensinar currículos
escolares, não para dar a educação que a família antigamente ensinava.
A falta de interesse dos alunos na
escola também não tem a ver com o abismo de gerações, já que os professores são
muito menos adeptos das novas tecnologias?
É
bom que professores aprendam a usar as novas tecnologias, mas temos um mito que
é o seguinte: a gente acha que o aluno que usa computador e internet está
aprendendo mais, mas quando passa um trabalho ou pesquisa para ele, o aluno não
sabe filtrar informação na internet, o que aparecer no google eles colocam no
trabalho deles. Não viram se era pegadinha, se o site tem autoridade. Eles
acham que fizeram a pesquisa por colocar informações numa página, às vezes nem
leram com atenção.
Esse é um problema generalizado?
Tem
o outro lado, temos sim escolas com nível de educação de primeiro mundo, temos
pesquisas na área da educação, da relação professor-aluno, suficientes para
poder dar palestra a professores da Europa sobre como dar aula. O problema é
que esse conhecimento que as boas escolas têm não chega a todas as escolas.
Enquanto algumas escolas do Sul estão discutindo se usam lousa digital de uma
ou outra marca, outras estão emendando quadro negro com cartolina porque ele
está rachado.
Absorver a tecnologia é inevitável
para a escola?
Tem
escola hoje que proíbe que professores tenham Facebook porque alunos falam mal
do professor e da escola lá. Por outro lado, tem escola incentivando que o
professor tenha Facebook, que coloque os alunos como amigos para trocar
informações e tirar dúvidas. Você pode usar a tecnologia a favor da
aprendizagem ou vê-la como uma ameaça à escola. Mas esse tipo de visão
retrógrada vai ter que desaparecer.
O que falta para isso acontecer?
Hoje temos um problema que é a falta
de softwares de qualidade para a escola. Tem software que o aluno dá um clique,
vira uma página, dá outro clique, vira outra página. Aquilo nada mais é do que
um livro em formato digital, mas o grau de interatividade é zero. Tem que tomar
muito cuidado ao levar o aluno para o laboratório de informática. Às vezes é
perder tempo com o computador, é melhor pegar um professor apaixonado por
aquilo que ensina do que usar um software com baixo grau de interatividade.
Isso em psicologia a gente chama de postura passivo-aceitante, é como a criança
na frente da televisão, só recebe informação. Tem muito professor que coloca o
aluno nessa postura, e também tem muito software que segue o mesmo caminho. A
chave é a interação do aluno com o conhecimento. Pode ser no computador,
sozinho ou com o professor em sala de aula. Desde que haja espaço para
interagir com o conhecimento, é isso que precisa acontecer para o aluno
aprender.
Fonte: G1
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