Criado em 2006, com o objetivo de
contribuir para que o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à
educação básica de qualidade, o Todos Pela Educação traduziu esse objetivo em 5
metas, com prazo de cumprimento até 2022: toda criança e jovem de 4 a 17 anos
na escola; toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; todo aluno com
aprendizado adequado à sua série; todo jovem com o ensino médio concluído até
os 19 anos; e investimento em educação ampliado e bem gerido.
O movimento divulgou, recentemente, o
relatório “De Olho nas Metas 2011”. O estudo é feito anualmente para o
acompanhamento dos indicadores educacionais do país. De acordo com Priscila
Fonseca da Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação, a tendência é que o
Brasil consiga cumprir a meta 1. Apesar de ainda termos 3,8 milhões de crianças
e jovens fora das escolas, esse número representa apenas 10% do total. A
situação mais preocupante é com a meta 2, que trata da alfabetização, e é
fundamental para o cumprimento das metas 3 e 4.
Para mudar a realidade da educação no
país, Priscila aposta no Plano Nacional da Educação (PNE), que traça metas e
diretrizes para o setor até 2020. No entanto, se mostra preocupada com a demora
em sua aprovação e com a maneira pela qual será colocado em prática. “Temos que
cumprir o plano. Assim poderemos mudar a educação brasileira de patamar”,
comentou, pedindo maior valorização do professor, melhor formação inicial e
continuada para os docentes e maior tempo de permanência e exposição ao
aprendizado para os alunos.
FOLHA DIRIGIDA — Recentemente, o Todos pela Educação divulgou um estudo
de acompanhamento de metas estabelecidas pelo movimento para a Educação
brasileira. Em quais metas a situação é mais preocupante e por quê?
Priscila Cruz — O que mais preocupa, no momento, é a número dois, que
trata da alfabetização das crianças. Na meta 1, avançamos bastante, foi 8% na
última década. O que temos é que, com essa melhora, chegamos bem perto de 100%,
mas agora vem a parte mais complicada, que é colocar crianças e jovens difíceis
de serem incorporados aos sistema. Essa será a nossa tarefa para os próximos 10
anos. Porém, com a aprovação da Emenda Constitucional 59, que tornou
obrigatória a escolaridade de 4 a 17 anos, isso já está basicamente
encaminhado, pelo menos legalmente. Como a meta 2 fala de alfabetização, a 3 e
a 4, aprendizagem em cada série e conclusão na idade correta, respectivamente,
dependem dela. Só poderemos cumpri-las quando tivermos todas as crianças
plenamente alfabetizadas até os 8 anos de idade. O que verificamos pela prova
ABC, que fizemos em parceria com o Inep, Fundação Cesgranrio e Instituto Paulo
Montenegro/Ibope, é que apenas pouco mais da metade das crianças até 8 anos têm
as competências de leitura e escrita consolidadas e 42,8% de Matemática. Então,
o quadro é que logo no início da escolaridade já temos praticamente metade das
crianças em condições muito pequenas de continuar a aprender nas séries
seguintes. Temos 3,8 milhões de crianças e jovens fora da escola. Falando em
números absolutos é muito, mas quando pensamos em porcentagem, temos 10% para
atingirmos a meta 1. O que quero dizer, é que pelo menos tornando a
escolaridade obrigatória dos 4 aos 17 anos, a tendência é que o país consiga
chegar bem próximo de 100%. No entanto, uma coisa é a criança estar na escola,
outra é aprender tudo que tem direito ao longo de sua formação, o que é um
desafio bem mais complexo e difícil de ser atingido. Por isso, acho que a
alfabetização é a meta mais crítica, porque se não conseguirmos atendê-la, não
vamos cumprir as seguintes.
FOLHA DIRIGIDA — Nas poucas semanas em que está à frente do MEC, as
ações e propostas anunciadas pelo ministro Aloizio Mercadante seguem na direção
daquelas que, a seu ver, deveriam ser as prioridades para as políticas
educacionais do ministério?
Priscila Cruz —Uma das primeiras políticas anunciadas na entrada dele
foi o programa de Alfabetização na Idade Certa, que é uma ação importantíssima
e necessária para que a gente possa garantir a alfabetização plena de todas as
crianças até os 8 anos. Então, já é uma boa sinalização. É raro alguém não
concordar com a necessidade de garantir a alfabetização das nossas crianças.
Não existe muito debate para saber se deve ou não deve, é lógico que deve, fora
outros consensos na educação. A tendência é sempre vermos um gestor público
anunciando programas que prometem nos colocar no rumo certo. A questão central
que deve motivar a sociedade civil, a imprensa e o país como um todo, é ser
vigilante e fazer um trabalho de controle na implementação. Anunciar uma
política e deixar que seja feita de forma incompleta continua impedindo que o
país chegue aos resultados desejados.
FOLHA DIRIGIDA — Um dos gargalos para o avanço da qualidade da educação
no Brasil, segundo especialistas, é a qualificação dos professores. O que
precisaria ser feito para melhorar esta formação?
Priscila Cruz — Os professores constituem, como fator isolado, aquele
que mais tem impacto na qualidade da educação e na aprendizagem de um aluno.
Não dá para imaginarmos um cenário de crianças aprendendo sem trabalhar a
formação dos professores. De fato, essa é uma das políticas mais necessárias e
também a que mais precisa de atenção, principalmente do governo federal, já que
pela divisão de atribuições na Constituição, a responsabilidade pelo ensino
superior, onde acontece a formação do professor, é dele. No Brasil, a formação
docente é muito generalista e dá pouca ênfase nas metodologias que garantem que
o aluno vai aprender. Existe um levantamento que mostra que nas licenciaturas
de todas as áreas, o peso dado para a Didática, a disciplina dentro da
Pedagogia que dá os instrumentos e as técnicas que vão garantir que o aluno
aprenda, é de 10% ou menos nos currículos. Os outros 90% estão em disciplinas
que também são muito importantes, mas existe um desequilíbrio.
FOLHA DIRIGIDA — Um estudo recente do Todos pela Educação mostrou que a
maior parte dos professores considera que a dificuldade de aprendizagem está
relacionada à falta de interesse dos alunos e à falta de acompanhamento das
famílias. Como a senhora vê esse posicionamento?
Priscila Cruz — Tem um lado bom e outro ruim nesse caso. A parte
negativa, e até de certa forma esperada, é os professores atribuírem a outros a
responsabilidade pela não aprendizagem. Isso é comum, não é exclusividade do
setor educacional, vemos em toda a sociedade. As pessoas sempre acham que foi o
outro que falhou. Então, isso deve ser considerado, mas é um fator negativo. A
posição mais produtiva que poderia fazer com que avançássemos, seria a visão da
parceria. Os professores junto com as famílias de mãos dadas fazendo com que o
aluno aprenda. O lado positivo é o fato de verem que a família tem impacto na
educação. A tarefa de engajar a família, mobilizá-la pelo estudo da criança,
acolher nas escolas, tudo isso pode ter como ponto inicial a leitura da
importância das famílias.
FOLHA DIRIGIDA — Os relatórios do Todos pela Educação têm mostrado que
os alunos ainda têm muitas dificuldades do ponto de vista da aprendizagem,
tanto em Português como em Matemática. Além da melhoria da formação dos professores,
que políticas deveriam ser adotadas para fazer com que os alunos brasileiros
aprendam mais e melhor?
Priscila Cruz — O desenvolvimento e a adoção de um currículo nacional,
com a expectativa de aprendizagem para cada série; a melhoria da formação
inicial e continuada dos professores; melhorar a carreira docente; atrair os
melhores alunos do ensino médio para o magistério; ampliar o tempo de
permanência e de exposição a aprendizagem dos estudantes. O Brasil tem como
tempo obrigatório a partir de 4 horas. Seria muito importante ampliar o turno e
fazer com que as crianças fiquem mais tempo na escola. Precisamos de um plano
nacional de educação que realmente responda aos desafios da educação básica e,
mais do que ter o plano, que seja implementado e suas metas cumpridas. Se o
Brasil, nos próximos dez anos, cumprir as metas presentes no PNE, que está para
ser aprovado no Congresso, a gente muda a educação de patamar.
FOLHA DIRIGIDA — Um dos principais pontos do Plano Nacional de Educação
é referente ao financiamento. O máximo alcançado, até agora, ficou próximo de
8% do PIB. Esse parâmetro é suficiente ou deveria ser maior? E o que deveria
ser feito para melhorar a qualidade desse gasto?
Priscila Cruz — Na verdade, o que foi negociado com o ministro da
Fazenda, Guido Mantega, foi 7,4% do PIB até 2014 e depois um aumento
progressivo, a partir de uma avaliação que será feita. O dado concreto é que o
Brasil investe 5,3% do PIB em educação. Em termos de porcentagem, não somos um
dos que menos investe, estamos apenas um pouco abaixo da média dos países da
OCDE, que antigamente eram chamados de desenvolvidos. Acontece que o Brasil tem
uma população de muitos jovens, são 50 milhões de alunos. Além disso, temos um
déficit educacional bem antigo e profundo. Temos que pagar as dívidas das
gerações anteriores para uma população imensa. Quando a gente pega essa
porcentagem do PIB e divide pela quantidade de estudantes, dá um gasto per
capita muito baixo, um dos menores do mundo. Temos sim que elevar o
investimento em educação e fazer isso com qualidade. Gastar mais sem qualidade
não nos levará ao resultado que precisamos.
FOLHA DIRIGIDA — O PNE está em tramitação no Congresso sem previsão de
ser aprovado. Essa demora, a seu ver, pode comprometer o cumprimento das metas,
uma vez que estados e municípios geralmente se pautam nelas para também
estabelecer seus próprios planos?
Priscila Cruz — Como houve uma reunião com o ministro da Fazenda
recentemente, talvez o plano esteja na iminência de ser votado. Porém, o fato é
que está demorando bastante. Há dois aspectos graves que podem comprometê-lo. O
primeiro é fazer com que seja aprovado com pouca força. Na própria questão do
financiamento, não chegou aos 10%, que era o pleito de alguns movimentos. Isso
é muito ruim, porque ninguém tem motivação de cumprir um plano sem força. Temos
que resgatar isso e, seja lá que valor que aparece no PIB, o fundamental é que
todas as metas estratégicas sejam cumpridas. Se existe uma disposição do
governo federal de aumentar o investimento progressivamente, isso não pode nos
dar a desculpa de não cumprir o plano. Se avançarmos nas metas fundamentais,
certamente ganharemos um argumento forte para pleitear maior porcentagem nos
anos seguintes. Outro ponto, é que o atraso faz com que os planos estaduais e
municipais também se atrasem, já que muitos esperam o plano nacional ser
aprovado. O que posso dizer, é que os estados e municípios já poderiam começar
a elaborar seus planos, porque as alterações, caso aconteçam, serão minúsculas
e talvez nem tenham impacto no âmbito estadual ou municipal.
FOLHA DIRIGIDA — Após a aprovação do PNE, o que será preciso fazer, e
que não foi feito em relação ao plano aprovado em 2001, para que as metas sejam
efetivamente cumpridas pelo país?
Priscila Cruz — Primeiro, é não deixar o plano ser esquecido após a
aprovação. Uma coisa muito comum no Brasil é que muita energia é colocada no
planejamento, no campo das ideias, na hora de se pensar um projeto para a
educação do país e, após ficar pronto, todos voltam para suas vidas normais e o
plano fica na gaveta. Ele precisa ser sempre uma referência para as políticas e
programas criados nos próximos anos, seja governo, sociedade, iniciativa
privada, Legislativo, Executivo ou sistema de justiça. Em todas as frentes, o
PNE deve ser a agenda que conduzirá as ações. Além disso, é importante que seja
bem implementado. Não adianta termos um plano maravilhoso, que pode mudar a
realidade da educação brasileira, e não ser aplicado como deveria. Deve ser
realizado de forma integral e plena. As metas devem guiar as ações de todos de
forma competente, garantindo que todas as crianças estejam na escola e
aprendendo.
FOLHA DIRIGIDA — Uma pesquisa recente divulgada pela Firjan mostra que
83% dos municípios brasileiros dependem de recursos do governo federal para
manter seus gastos. E é justamente na esfera municipal que está a
responsabilidade pelo ensino fundamental, que possui cerca de 50% dos alunos da
educação básica. Essa distribuição de responsabilidades deveria ser revista?
Priscila Cruz — Estados e municípios respondem pela larga maioria das
matrículas de educação básica. Ambos têm dificuldades no cumprimento de suas
metas, talvez até mais os municípios. O governo federal tem uma atribuição
importantíssima, que é suplementar com recursos e apoio técnico estados e
municípios que precisem. Quando falamos de piso nacional do magistério ou
outras políticas que demandam recursos que esses entes federativos não
conseguem suportar, a União deveria complementar. Outro ponto é o regime de
colaboração. Existem as responsabilidades de cada um na Constituição, mas ainda
sim há muita confusão, uma zona cinzenta. Às vezes temos excesso de
responsabilidade e, em outros casos, não temos ninguém. Precisamos ajustar essa
questão e elaborar uma normatização mais clara. Até porque, estados e
municípios dizem que não têm como arcar com o piso nacional do magistério.
FOLHA DIRIGIDA — Além do piso, o que precisa ser feito para valorizar os
professores? A senhora é favorável, por exemplo, a bonificações para
cumprimento de metas?
Priscila Cruz — A carreira precisa ser mais atrativa. Uma das ideias é
aumentar o salário inicial. No lugar de deixar para subir apenas no final da
carreira, poderíamos inverter essa situação e colocar um peso maior no começo
da jornada de trabalho. Assim, os melhores alunos do ensino médio ficariam mais
atraídos. E também existe a questão da valorização perante a sociedade. Isso,
não necessariamente, passa pela remuneração. É apenas a importância que as
pessoas dão aos docentes. Todo mundo precisa colocar sua dose de colaboração
para que a sociedade, cada vez, mais se conscientize do papel do professor,
inclusive ele próprio, se abrindo para o diálogo com as famílias. A bonificação
por metas é bem difícil de ser implementada. Podemos falar de outra forma:
remuneração variável por resultados. E não necessariamente por resultados
individuais do professor, pois a aprendizagem do aluno sempre é um acumulado de
tudo que passou em sua trajetória escolar. O somos favoráveis a uma remuneração
variável de acordo com o resultado de toda escola. Assim, valorizaríamos o
trabalho de toda equipe. Acredito que essa tendência deve evoluir nos próximos
anos.
Fonte: Folha Dirigida
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