quarta-feira, 2 de maio de 2012

Os desafios para o Brasil atingir metas de qualidade na educação

Criado em 2006, com o objetivo de contribuir para que o Brasil garanta a todas as crianças e jovens o direito à educação básica de qualidade, o Todos Pela Educação traduziu esse objetivo em 5 metas, com prazo de cumprimento até 2022: toda criança e jovem de 4 a 17 anos na escola; toda criança plenamente alfabetizada até os 8 anos; todo aluno com aprendizado adequado à sua série; todo jovem com o ensino médio concluído até os 19 anos; e investimento em educação ampliado e bem gerido.
O movimento divulgou, recentemente, o relatório “De Olho nas Metas 2011”. O estudo é feito anualmente para o acompanhamento dos indicadores educacionais do país. De acordo com Priscila Fonseca da Cruz, diretora executiva do Todos pela Educação, a tendência é que o Brasil consiga cumprir a meta 1. Apesar de ainda termos 3,8 milhões de crianças e jovens fora das escolas, esse número representa apenas 10% do total. A situação mais preocupante é com a meta 2, que trata da alfabetização, e é fundamental para o cumprimento das metas 3 e 4.
Para mudar a realidade da educação no país, Priscila aposta no Plano Nacional da Educação (PNE), que traça metas e diretrizes para o setor até 2020. No entanto, se mostra preocupada com a demora em sua aprovação e com a maneira pela qual será colocado em prática. “Temos que cumprir o plano. Assim poderemos mudar a educação brasileira de patamar”, comentou, pedindo maior valorização do professor, melhor formação inicial e continuada para os docentes e maior tempo de permanência e exposição ao aprendizado para os alunos.
FOLHA DIRIGIDA — Recentemente, o Todos pela Educação divulgou um estudo de acompanhamento de metas estabelecidas pelo movimento para a Educação brasileira. Em quais metas a situação é mais preocupante e por quê?
Priscila Cruz — O que mais preocupa, no momento, é a número dois, que trata da alfabetização das crianças. Na meta 1, avançamos bastante, foi 8% na última década. O que temos é que, com essa melhora, chegamos bem perto de 100%, mas agora vem a parte mais complicada, que é colocar crianças e jovens difíceis de serem incorporados aos sistema. Essa será a nossa tarefa para os próximos 10 anos. Porém, com a aprovação da Emenda Constitucional 59, que tornou obrigatória a escolaridade de 4 a 17 anos, isso já está basicamente encaminhado, pelo menos legalmente. Como a meta 2 fala de alfabetização, a 3 e a 4, aprendizagem em cada série e conclusão na idade correta, respectivamente, dependem dela. Só poderemos cumpri-las quando tivermos todas as crianças plenamente alfabetizadas até os 8 anos de idade. O que verificamos pela prova ABC, que fizemos em parceria com o Inep, Fundação Cesgranrio e Instituto Paulo Montenegro/Ibope, é que apenas pouco mais da metade das crianças até 8 anos têm as competências de leitura e escrita consolidadas e 42,8% de Matemática. Então, o quadro é que logo no início da escolaridade já temos praticamente metade das crianças em condições muito pequenas de continuar a aprender nas séries seguintes. Temos 3,8 milhões de crianças e jovens fora da escola. Falando em números absolutos é muito, mas quando pensamos em porcentagem, temos 10% para atingirmos a meta 1. O que quero dizer, é que pelo menos tornando a escolaridade obrigatória dos 4 aos 17 anos, a tendência é que o país consiga chegar bem próximo de 100%. No entanto, uma coisa é a criança estar na escola, outra é aprender tudo que tem direito ao longo de sua formação, o que é um desafio bem mais complexo e difícil de ser atingido. Por isso, acho que a alfabetização é a meta mais crítica, porque se não conseguirmos atendê-la, não vamos cumprir as seguintes.
FOLHA DIRIGIDA — Nas poucas semanas em que está à frente do MEC, as ações e propostas anunciadas pelo ministro Aloizio Mercadante seguem na direção daquelas que, a seu ver, deveriam ser as prioridades para as políticas educacionais do ministério?
Priscila Cruz —Uma das primeiras políticas anunciadas na entrada dele foi o programa de Alfabetização na Idade Certa, que é uma ação importantíssima e necessária para que a gente possa garantir a alfabetização plena de todas as crianças até os 8 anos. Então, já é uma boa sinalização. É raro alguém não concordar com a necessidade de garantir a alfabetização das nossas crianças. Não existe muito debate para saber se deve ou não deve, é lógico que deve, fora outros consensos na educação. A tendência é sempre vermos um gestor público anunciando programas que prometem nos colocar no rumo certo. A questão central que deve motivar a sociedade civil, a imprensa e o país como um todo, é ser vigilante e fazer um trabalho de controle na implementação. Anunciar uma política e deixar que seja feita de forma incompleta continua impedindo que o país chegue aos resultados desejados.
FOLHA DIRIGIDA — Um dos gargalos para o avanço da qualidade da educação no Brasil, segundo especialistas, é a qualificação dos professores. O que precisaria ser feito para melhorar esta formação?
Priscila Cruz — Os professores constituem, como fator isolado, aquele que mais tem impacto na qualidade da educação e na aprendizagem de um aluno. Não dá para imaginarmos um cenário de crianças aprendendo sem trabalhar a formação dos professores. De fato, essa é uma das políticas mais necessárias e também a que mais precisa de atenção, principalmente do governo federal, já que pela divisão de atribuições na Constituição, a responsabilidade pelo ensino superior, onde acontece a formação do professor, é dele. No Brasil, a formação docente é muito generalista e dá pouca ênfase nas metodologias que garantem que o aluno vai aprender. Existe um levantamento que mostra que nas licenciaturas de todas as áreas, o peso dado para a Didática, a disciplina dentro da Pedagogia que dá os instrumentos e as técnicas que vão garantir que o aluno aprenda, é de 10% ou menos nos currículos. Os outros 90% estão em disciplinas que também são muito importantes, mas existe um desequilíbrio.
FOLHA DIRIGIDA — Um estudo recente do Todos pela Educação mostrou que a maior parte dos professores considera que a dificuldade de aprendizagem está relacionada à falta de interesse dos alunos e à falta de acompanhamento das famílias. Como a senhora vê esse posicionamento?
Priscila Cruz — Tem um lado bom e outro ruim nesse caso. A parte negativa, e até de certa forma esperada, é os professores atribuírem a outros a responsabilidade pela não aprendizagem. Isso é comum, não é exclusividade do setor educacional, vemos em toda a sociedade. As pessoas sempre acham que foi o outro que falhou. Então, isso deve ser considerado, mas é um fator negativo. A posição mais produtiva que poderia fazer com que avançássemos, seria a visão da parceria. Os professores junto com as famílias de mãos dadas fazendo com que o aluno aprenda. O lado positivo é o fato de verem que a família tem impacto na educação. A tarefa de engajar a família, mobilizá-la pelo estudo da criança, acolher nas escolas, tudo isso pode ter como ponto inicial a leitura da importância das famílias.
FOLHA DIRIGIDA — Os relatórios do Todos pela Educação têm mostrado que os alunos ainda têm muitas dificuldades do ponto de vista da aprendizagem, tanto em Português como em Matemática. Além da melhoria da formação dos professores, que políticas deveriam ser adotadas para fazer com que os alunos brasileiros aprendam mais e melhor?
Priscila Cruz — O desenvolvimento e a adoção de um currículo nacional, com a expectativa de aprendizagem para cada série; a melhoria da formação inicial e continuada dos professores; melhorar a carreira docente; atrair os melhores alunos do ensino médio para o magistério; ampliar o tempo de permanência e de exposição a aprendizagem dos estudantes. O Brasil tem como tempo obrigatório a partir de 4 horas. Seria muito importante ampliar o turno e fazer com que as crianças fiquem mais tempo na escola. Precisamos de um plano nacional de educação que realmente responda aos desafios da educação básica e, mais do que ter o plano, que seja implementado e suas metas cumpridas. Se o Brasil, nos próximos dez anos, cumprir as metas presentes no PNE, que está para ser aprovado no Congresso, a gente muda a educação de patamar.
FOLHA DIRIGIDA — Um dos principais pontos do Plano Nacional de Educação é referente ao financiamento. O máximo alcançado, até agora, ficou próximo de 8% do PIB. Esse parâmetro é suficiente ou deveria ser maior? E o que deveria ser feito para melhorar a qualidade desse gasto?
Priscila Cruz — Na verdade, o que foi negociado com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi 7,4% do PIB até 2014 e depois um aumento progressivo, a partir de uma avaliação que será feita. O dado concreto é que o Brasil investe 5,3% do PIB em educação. Em termos de porcentagem, não somos um dos que menos investe, estamos apenas um pouco abaixo da média dos países da OCDE, que antigamente eram chamados de desenvolvidos. Acontece que o Brasil tem uma população de muitos jovens, são 50 milhões de alunos. Além disso, temos um déficit educacional bem antigo e profundo. Temos que pagar as dívidas das gerações anteriores para uma população imensa. Quando a gente pega essa porcentagem do PIB e divide pela quantidade de estudantes, dá um gasto per capita muito baixo, um dos menores do mundo. Temos sim que elevar o investimento em educação e fazer isso com qualidade. Gastar mais sem qualidade não nos levará ao resultado que precisamos.
FOLHA DIRIGIDA — O PNE está em tramitação no Congresso sem previsão de ser aprovado. Essa demora, a seu ver, pode comprometer o cumprimento das metas, uma vez que estados e municípios geralmente se pautam nelas para também estabelecer seus próprios planos?
Priscila Cruz — Como houve uma reunião com o ministro da Fazenda recentemente, talvez o plano esteja na iminência de ser votado. Porém, o fato é que está demorando bastante. Há dois aspectos graves que podem comprometê-lo. O primeiro é fazer com que seja aprovado com pouca força. Na própria questão do financiamento, não chegou aos 10%, que era o pleito de alguns movimentos. Isso é muito ruim, porque ninguém tem motivação de cumprir um plano sem força. Temos que resgatar isso e, seja lá que valor que aparece no PIB, o fundamental é que todas as metas estratégicas sejam cumpridas. Se existe uma disposição do governo federal de aumentar o investimento progressivamente, isso não pode nos dar a desculpa de não cumprir o plano. Se avançarmos nas metas fundamentais, certamente ganharemos um argumento forte para pleitear maior porcentagem nos anos seguintes. Outro ponto, é que o atraso faz com que os planos estaduais e municipais também se atrasem, já que muitos esperam o plano nacional ser aprovado. O que posso dizer, é que os estados e municípios já poderiam começar a elaborar seus planos, porque as alterações, caso aconteçam, serão minúsculas e talvez nem tenham impacto no âmbito estadual ou municipal.
FOLHA DIRIGIDA — Após a aprovação do PNE, o que será preciso fazer, e que não foi feito em relação ao plano aprovado em 2001, para que as metas sejam efetivamente cumpridas pelo país?
Priscila Cruz — Primeiro, é não deixar o plano ser esquecido após a aprovação. Uma coisa muito comum no Brasil é que muita energia é colocada no planejamento, no campo das ideias, na hora de se pensar um projeto para a educação do país e, após ficar pronto, todos voltam para suas vidas normais e o plano fica na gaveta. Ele precisa ser sempre uma referência para as políticas e programas criados nos próximos anos, seja governo, sociedade, iniciativa privada, Legislativo, Executivo ou sistema de justiça. Em todas as frentes, o PNE deve ser a agenda que conduzirá as ações. Além disso, é importante que seja bem implementado. Não adianta termos um plano maravilhoso, que pode mudar a realidade da educação brasileira, e não ser aplicado como deveria. Deve ser realizado de forma integral e plena. As metas devem guiar as ações de todos de forma competente, garantindo que todas as crianças estejam na escola e aprendendo.
FOLHA DIRIGIDA — Uma pesquisa recente divulgada pela Firjan mostra que 83% dos municípios brasileiros dependem de recursos do governo federal para manter seus gastos. E é justamente na esfera municipal que está a responsabilidade pelo ensino fundamental, que possui cerca de 50% dos alunos da educação básica. Essa distribuição de responsabilidades deveria ser revista?
Priscila Cruz — Estados e municípios respondem pela larga maioria das matrículas de educação básica. Ambos têm dificuldades no cumprimento de suas metas, talvez até mais os municípios. O governo federal tem uma atribuição importantíssima, que é suplementar com recursos e apoio técnico estados e municípios que precisem. Quando falamos de piso nacional do magistério ou outras políticas que demandam recursos que esses entes federativos não conseguem suportar, a União deveria complementar. Outro ponto é o regime de colaboração. Existem as responsabilidades de cada um na Constituição, mas ainda sim há muita confusão, uma zona cinzenta. Às vezes temos excesso de responsabilidade e, em outros casos, não temos ninguém. Precisamos ajustar essa questão e elaborar uma normatização mais clara. Até porque, estados e municípios dizem que não têm como arcar com o piso nacional do magistério.
FOLHA DIRIGIDA — Além do piso, o que precisa ser feito para valorizar os professores? A senhora é favorável, por exemplo, a bonificações para cumprimento de metas?
Priscila Cruz — A carreira precisa ser mais atrativa. Uma das ideias é aumentar o salário inicial. No lugar de deixar para subir apenas no final da carreira, poderíamos inverter essa situação e colocar um peso maior no começo da jornada de trabalho. Assim, os melhores alunos do ensino médio ficariam mais atraídos. E também existe a questão da valorização perante a sociedade. Isso, não necessariamente, passa pela remuneração. É apenas a importância que as pessoas dão aos docentes. Todo mundo precisa colocar sua dose de colaboração para que a sociedade, cada vez, mais se conscientize do papel do professor, inclusive ele próprio, se abrindo para o diálogo com as famílias. A bonificação por metas é bem difícil de ser implementada. Podemos falar de outra forma: remuneração variável por resultados. E não necessariamente por resultados individuais do professor, pois a aprendizagem do aluno sempre é um acumulado de tudo que passou em sua trajetória escolar. O somos favoráveis a uma remuneração variável de acordo com o resultado de toda escola. Assim, valorizaríamos o trabalho de toda equipe. Acredito que essa tendência deve evoluir nos próximos anos.
Fonte: Folha Dirigida

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