Como vencer os problemas da Educação?
A questão é verba ou é mais que isso?
Temos mais de um milhão de jovens
retidos no ensino fundamental. Não chegam ao ensino médio. A idade média no 8º
ano do fundamental é de 14,3 anos, sendo que esse nível termina oficialmente
aos 14 anos de idade. No 9º ano, a idade média é de 15,2 anos.
A Educação brasileira é um funil
perverso. Dos mais de 4,3 milhões de alunos ingressos na 1ª série do ensino
fundamental, somente metade conclui esse nível. Apenas 11% dos alunos terminam
o ensino médio com o conhecimento esperado efetivamente adquirido. O funil
continua e pouco mais de 300 mil ingressam no ensino superior. Os que o
concluem são apenas 4,5% dos que ingressaram, lá atrás, no ensino fundamental.
Desde a formação dos grupos
Escolares, em 1893, o Brasil privilegiou a quantidade, não a qualidade. Nos
últimos anos, oscilamos até nas metas: do fim do analfabetismo e ampliação da
duração do ensino médio para quatro anos (gestão Cristovam Buarque), ao sistema
de cotas e limitação da abertura de cursos de medicina e direito (gestão Tarso
Genro), passando pela ampliação da avaliação sistêmica (Ideb e outros), ensino
profissionalizante e nacionalização do conteúdo curricular (via Enade, Enem e
outros, na gestão Fernando Haddad).
A qualidade raramente é um objetivo
das políticas educacionais porque a Educação brasileira se tornou dado de
disputa eleitoral e objeto de desejo de grandes grupos econômicos. Em 2011 o
setor presenciou vinte operações comerciais capitaneadas por quatro empresas de
capital aberto, que totalizaram R$ 2,4 bilhões, um recorde. O foco é a demanda
por cursos técnicos, sem grandes projetos de formação efetivamente qualificada.
Lembremos que, entre 2005 e 2010, a fatia das matrículas em cursos técnicos
sobre o total verificado no ensino médio regular passou de 8,2% para 13,6%.
Mas a ânsia comercial atinge também
várias redes públicas de ensino. Hoje, temos 150 redes municipais paulistas que
contratam sistemas apostilados privados (Objetivo, COC e Positivo, em
especial). São 23% do total das 645 cidades paulistas. Em todo o Brasil, 300
municípios tomaram tal decisão. São apostilas genéricas que massificam o
conhecimento. Ocorre que estudos recentes indicam que redes pequenas, Escolas
pequenas e relacionamento Escola-família é que geram resultados mais positivos
no desempenho Escolar. Não a Educação massificada.
Análise dos dados do Ideb (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica) de 2007, realizada pela ONG Todos pela
Educação, intitulada "Equidade entre as Escolas das redes municipais",
revelou que quanto menor a rede, melhor o desempenho de alunos. Grandes redes
de ensino não conseguem criar estratégias de atendimento equânime entre
Escolas. Grandes Escolas não conseguem atender de maneira personalizada seus
alunos e professores. Recentemente, dados do Saresp indicaram que o desempenho
dos alunos estava relacionado ao tempo do diretor nessa função. Quando o
diretor é conhecido pela comunidade Escolar, torna-se um líder que articula
sala de aula com família e comunidade.
Esse conjunto de dados revela que
Educação é relação social. As práticas pedagógicas ao longo dos últimos dez
anos focaram resultados e não o processo de aprendizagem, e contribuíram para a
falta de frequência Escolar. Estudo de Elaine Pazello (Inep/MEC) apontou uma realidade
perigosa em que estudantes vão à Escola, mas não se dedicam ao aprendizado.
Para piorar o quadro, as avaliações
sistêmicas desconsideram as peculiaridades do processo de aprendizagem de cada
aluno e não conseguem informar corretamente os motivos que geram um resultado.
Equipe pedagógica e direção das Escolas não sabem o que fazer e recaem no lugar
comum dos programas de reforço Escolar. Mas o reforço, muitas vezes, utiliza
metodologias que já foram empregadas anteriormente e que fracassaram.
Sem dados qualitativos, diagnósticos
mais profundos das reais causas de dificuldades de aprendizagem e,
principalmente, dos hábitos familiares que o aluno adquiriu e com os quais
dialoga cotidianamente, gastamos recursos sem qualquer sentido lógico. O fato é
que desconsideramos o papel das famílias, não avaliamos mais se determinados
currículos ou apostilas adotados são adequados. Não analisamos as condições
reais de trabalho nas Escolas.
Outro estudo da ONG Todos pela
Educação indicou que 32% dos alunos apresentam dificuldades de apreender o que
os professores ensinam e que 22% não têm interesse em estudar. A pesquisa,
apresentada na Conferência Nacional da Educação de 2010, revelou que 16% dos
pais não conhecem as matérias que os seus filhos estudam, impedindo-os de
ajudar quando eles têm dúvidas. Essa é a realidade concreta que as políticas
educacionais oficiais ignoram: o perfil do aluno das classes emergentes que
ingressam nas redes de ensino.
Pierre Bourdieu já havia constatado
um processo de seleção social nas Escolas via currículo que extirpava os
hábitos culturais das classes menos abastadas, gerando estranhamento dos alunos
em relação à linguagem, personagens e formas de socialização de conhecimentos.
Com efeito, cruzamento de dados da Prova Brasil 2009 efetuada pela Fundação
Lemann, indicou que os alunos de famílias mais pobres e os negros são os que
apresentam pior desempenho (5º e 9º anos do ensino fundamental) em Escolas
públicas. Só dois em cada dez negros no 5º ano aprendem o que é esperado pelos
professores. Em matemática, na mesma série, enquanto 80% dos alunos mais pobres
não atingiram o nível mínimo esperado, o índice cai para 55% entre os alunos
mais ricos.
Qual o motivo? Estudos realizados
desde a segunda década do século XX indicam que o hábito familiar se relaciona
diretamente com desempenho Escolar. Pais que leem habitualmente constroem a
noção de leitura como algo natural. Em todas áreas do conhecimento e da ação
humana essa relação se repete. Ora, se somos um país majoritariamente conformado
por membros da classe C, o primeiro passo é adaptarmos os cursos de formação de
professores à realidade cultural e familiar dessa classe emergente. Temos que
saber dialogar com seus hábitos, crenças e intenções. A classe média emergente
viu-se incluída socialmente pelo consumo e essa é sua motivação para o estudo:
a garantia de ascensão ou manutenção do seu poder aquisitivo. A Escola não
acompanhou tal revolução comportamental. E a culpa não é dos professores ou
diretores. Muito menos da Escola pública. A culpa é dos gestores da política
educacional que continuam desconhecendo a realidade da sala de aula.
Rudá Ricci,
sociólogo e doutor em ciências sociais, in: Valor Econômico (SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário