sábado, 5 de maio de 2012

Renda faz família trocar escola pública pela privada

As escolas públicas brasileiras, principalmente nos níveis fundamental e médio, estão perdendo espaço para os colégios particulares. Nos últimos dez anos, a Educação básica municipal, estadual e federal, perdeu um total de 4,834 milhões de estudantes, enquanto o ensino privado ganhou 1,090 milhão de matrículas.
De acordo com levantamento feito pelo Valor, na média calculada de 2002 a 2011 o setor público perdeu 480 mil matrículas por ano e o mercado educacional privado arrebanhou cerca de 110 mil novos alunos anualmente. Especialistas em Educação arriscam várias hipóteses para explicar o ocorrido.
Uma das análises mais plausíveis é o crescimento econômico do país associado ao aumento da renda, o que estimula famílias que ascenderam socialmente a tirar seus filhos da escola pública e colocá-los na particular.
Para Priscila Cruz, diretora-executiva do Movimento Todos Pela Educação, a nova classe média brasileira cria um movimento de migração na Educação. "É uma nova fronteira de classe. Há um consumo maior, a família compra um carro, passa a comer mais fora. Depois disso passa a aspirar mais coisas, como o ensino particular. Ela se dá conta que Educação é importante para a manutenção na classe média e até para subir de classe", avalia.
Em dez anos, os maiores movimentos de aumento de matrículas nas escolas particulares e de perda exponencial de alunos nas públicas coincidem com os anos em que a economia brasileira mais cresceu. O Produto Interno Bruto (PIB) avançou acima de 6% de 2007 para 2008, período em que os colégios privados matricularam 700 mil alunos e os públicos perderam cerca de 500 mil. Em 2010, quando o PIB cresceu 7,5%, a maior alta em 24 anos, o país registrou 400 mil novas matrículas no ensino privado e quase 1 milhão de baixas nas escolas públicas.
O economista Naercio Menezes Filho, coordenador da área de políticas públicas do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), afirma que os números refletem "uma lógica natural": "O fato é que se a família tem ganho de renda prefere matricular o filho na escola privada. É a preferência revelada, escolhe porque acha melhor."
Embora a mais recente Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, referente a 2008 e 2009, aponte redução da participação dos gastos com Educação nas despesas mensais médias das famílias brasileiras, Menezes Filho pondera que é preciso isolar algumas variáveis para verificar exatamente os aumentos por grupos de despesas. "A família que gasta zero com Educação interefere na média final, sem falar que a média é composta por outras variáveis. Se uma família gasta mais com alimentação e transporte do que com Educação, isso acaba concorrendo com as despesas de ensino na média."
Além do fator econômico, a questão demográfica explica parte da perda de matrículas - em 2002, estavam matriculados 54,7 milhões de alunos até o ensino médio, número que caiu para 50,9 milhões em 2011, considerando escolas públicas e privadas. O IBGE projeta queda de 20% da população de 6 a 14 anos até 2022. Outro fator que explica a perda de matrículas no setor público é a correção do fluxo escolar, com menos crianças na escola com distorção de idade, informa o Ministério da Educação (MEC), no documento "Resumo Técnico do Censo Escolar da Educação Básica 2011", divulgado nesta semana.
Por outro lado, a percepção de que a qualidade do ensino público não vai bem pode influenciar migrações. Mas essa percepção pode ser um mito, diz Priscila. "É importante sinalizar que boa parte dos colégios privados tem resultado de escola pública. O que vemos é um novo mercado crescendo e é importante o governo ficar de olho, afinar a regulação."
O economista Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann, pondera que seria importante conhecer a realidade socioeconômica dos alunos antes de tirar qualquer conclusão. "As pessoas das classes C e D provavelmente estão indo para escolas privadas não tão boas. Mas, sem dúvida, esse aumento reflete uma maior importância da pauta Educação no Brasil."

Ensino médio tem déficit de 2 milhões
No "Resumo Técnico do Censo Escolar da Educação Básica 2011", divulgado nesta semana, o Ministério da Educação (MEC) admite que é preciso corrigir o fluxo de alunos do ensino fundamental e que o nível médio no país deveria ter mais 2 milhões de alunos para chegar "a uma situação de equilíbrio" nas matrículas. O documento mostra que, nos últimos cinco anos, o número de alunos do ciclo ficou estável em torno de 8,4 milhões.
"O aluno potencial do ensino médio é o concluinte do ensino fundamental. A estimativa é que a situação de equilíbrio da matrícula seja em torno de 10,4 milhões, que corresponde à população na faixa etária de 15 a 17 anos." O ensino médio é uma das modalidades mais problemáticas da Educação básica brasileira, com baixa taxa de conclusão, de 50%.
Por outro lado, o médio profissional tem registrado crescimento das matrículas. Em 2011, foi o ciclo educacional que mais cresceu, com 993.187 matrículas, uma alta de 7,5% sobre 2010.
Fonte: Valor Econômico (SP)

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