Meninos, portadores de necessidades
especiais e estudantes de Escolas públicas com infraestrutura precária têm mais
chances de repetência no Ensino fundamental do que os demais Alunos. A
conclusão é de um estudo dos pesquisadores Luís Felipe Batista de Oliveira e
Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Eles analisaram o desempenho de
Alunos de todo o país por meio de dados dos censos Escolares de 2007 a 2010.
Apesar de o motivo dessa probabilidade maior de repetência entre alguns grupos
não ter sido objeto da análise, Luís Felipe Oliveira levanta hipóteses que
podem ajudar a explicar as tendências apontadas.
- Um dos fatores que talvez ajudem a
explicar é que os meninos podem estar entrando no mercado de trabalho mais cedo
do que as meninas. E as meninas tendem a levar a Escola mais a sério - afirma.
Oliveira acrescenta que a
probabilidade maior de reprovação entre Alunos de Escolas públicas tem a ver
com problemas de gestão:
- Faltam recursos e preparo nessas
unidades. Os municípios são muito heterogêneos em termos de administração. Em
muitas das mais de cinco mil cidades do país, há uma grande dificuldade em
termos de qualidade de Professores e de infraestrutura da Escola. Pode ser um
problema de gestão.
De acordo com Oliveira, Alunos que
estão em Escolas com infraestrutura menos adequada tendem a ser reprovados com
mais frequência.
- São Escolas que não têm acesso a serviços de esgoto e
energia elétrica, entre outros. Talvez elas reprovem mais porque sejam ruins e
não tenham facilidade de passar o conhecimento - disse.
Reprovação causa trauma nos jovens
Sobre a probabilidade maior de
reprovação entre portadores de necessidades especiais, o pesquisador do Ipea
acredita que ela se relacione às dificuldades dos Professores, que, muitas
vezes, não estão preparados e treinados para ensinar crianças que precisam de
suporte específico.
Alunos que já foram reprovados uma
vez têm mais chances de reprovação em outro momento da vida Escolar devido ao
trauma da repetência anterior, segundo os especialistas.
- A reprovação afeta a autoestima da
criança. Muitas vezes, a família a rotula de burra. Conheço uma mãe que não
matriculou de novo na Escola o filho que foi reprovado e o colocou para
trabalhar - diz a Professora Bertha do Valle, da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Tufi Soares, coordenador de pesquisas
do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal
de Juiz de Fora, levanta a possibilidade de que os Alunos reprovados e de baixa
proficiência possam não estar recebendo o cuidado educacional adequado.
- Esses Alunos costumam ser
destinados a turmas mais complicadas. Os Professores, normalmente, preferem
trabalhar com os bons Alunos - ressalta Soares.
A dona de casa Patrícia Aparecida diz
que a filha Alessandra Souza das Chagas, de 15 anos, ficou abalada quando foi
reprovada no 4 ano do Ensino fundamental. E acrescenta que a jovem reclama do
tratamento que recebe na Escola Pública onde estuda, em São Paulo.
- Acho que ela foi reprovada porque
não há empenho dos Professores em ensinar. Eles não dão atenção aos Alunos.
Minha filha mostra interesse, mas os Professores pegam no pé dela. As pessoas a
xingam, dizem que ela é burra, e ela acaba se irritando.
Jonathan Anderson de Souza, de 15
anos, foi reprovado duas vezes na Escola Pública em que estuda, em São Bernardo
do Campo. A primeira vez, por faltas, no 7 ano; a segunda, por desempenho, no
8.
- Eu me senti humilhado. Todo mundo
zombava de mim. Não sou um Aluno exemplar, mas quero aprender algo. Quando
chegou o final do ano, quis me recuperar, mas não me deram atenção. Eu era
ignorado - afirma Jonathan.
Apesar de outras análises feitas em
âmbito regional terem apontado algumas das tendências constatadas na pesquisa
do Ipea, muitos especialistas não acham necessário criar políticas específicas
para reduzir a repetência nos grupos onde a reprovação é mais provável.
- Precisamos de medidas globais. Quem
é o culpado pela repetência? A corda sempre arrebenta do lado mais frágil, o
Aluno. Mas os Professores também são responsabilizados. A reprovação tem a ver
com a forma como a Escola está estruturada e com os investimentos em Educação.
A qualidade desse Ensino é muito ruim. Não temos uma Escola que favoreça o
processo de aprendizagem e seja capaz de ensinar - analisa Márcia Aparecida
Jacomini, Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp).
O índice de repetência Escolar médio
no Ensino fundamental no Brasil, que, segundo o Ministério da Educação, foi de
10,3% em 2010, vem diminuindo nos últimos anos - era de 12,1% em 2007, mas
ainda é considerado alto. Segundo a Unesco, em 2008, a taxa de repetência dos
Alunos do 1 ano no Brasil foi de 24,5%, uma das maiores de América Latina e
Caribe.
A Professora Maria de Fátima Guerra,
da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), acredita que, para
o país melhorar seus índices de reprovação, é preciso investir também no
atendimento individualizado ao Aluno, como maneira de compreender quais as
dificuldades enfrentadas por ele no processo de aprendizagem.
- Se um Aluno foi reprovado duas
vezes, tanto os pais quanto a Escola têm que refletir e entender por quais
dificuldades ele está passando. Uma delas pode ser a organização do tempo de estudo.
Muitos estudantes deixam o estudo para a última hora. A Escola tem que ensinar
o Aluno a usar o seu tempo - adverte Maria de Fátima.
Fonte: O Globo
(RJ)
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