A noite de quinta-feira 12 de abril
foi longa no Palácio do Planalto. Numa sala do 4º andar, onde fica a Casa
Civil, o economista Ricardo Paes de Barros comandou uma apresentação de 6 horas
sobre um programa social voltado para crianças de até 5 anos. Na plateia,
Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Casa Civil, e Moreira Franco, ministro da
Secretaria de Assuntos Estratégicos. Paes de Barros, conhecido como PB e
considerado o maior especialista brasileiro em políticas públicas, trabalha na
elaboração do programa desde março de 2011, quando aceitou o convite da
presidente Dilma Rousseff para ser seu secretário de Assuntos Estratégicos. O
encontro foi uma espécie de ensaio para acertar detalhes antes que o programa
seja visto por Dilma, que tem a ambição de usá-lo como ponto de partida para
revolucionar a Educação brasileira. “Parte da guerra em favor da Educação foi
ganha porque a maioria das crianças está na escola”, diz PB. “Mas precisamos
avançar na qualidade” e nada melhor do que iniciar a mudança pela primeira
infância.
Mesmo contando com o apoio da
presidente, não será uma tarefa fácil. Primeiro porque o secretário destoa de
seus pares e do ambiente onde está. Paes de Barros é uma mente brilhante e
metódica num governo marcado por técnicos opacos e programas desorganizados a
tendência natural é que desperte mais oposição do que apoio. Engenheiro pelo
Instituto Tecnológico de Aeronáutica e doutor em economia pela Universidade de
Chicago, é um estudioso obsessivo. Cordato no trato pessoal, no trabalho é um questionador
de premissas, teses e dados. Em 2000 quando foi chamado para avaliar a eficácia
dos programas de Educação do Instituto Ayrton Senna, não apresentou conclusões
antes de testar 57 000 hipóteses em escolas de quase 1 000 cidades durante
cinco anos. “PB é um pesquisador incansável”, diz o economista José Márcio
Camargo, professor da PUC do Rio de Janeiro.
PB não se mostra deslumbrado pelo
poder, algo comum em Brasília. Apesar de estar desde 1979 num órgão ligado à
Presidência, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ele tem aversão
à política e ao marketing pessoal e faz questão de lembrar a todos que é um
servidor público. Em 2010, quando elaborou o capítulo social do programa de
governo de Marina Silva à Presidência da República, trabalhou de madrugada e
nos fins de semana para não atrapalhar a rotina no Ipea e avisou que, por
razões éticas, não daria exclusividade à ex-ministra. “Ele deixou claro que era
um funcionário público e ajudaria qualquer candidato”, diz Marina.
A tenacidade de PB está sendo
testada. Seu programa nem sequer foi concluído e já tem opositores: os
pedagogos. Parte de seu trabalho até agora foi coordenar uma pesquisa com 500
alunos de 100 instituições do Rio de Janeiro para avaliar a pré-escola no
Brasil. A conclusão é que o desenvolvimento das crianças está muito aquém do
esperado, mesmo em locais com boa infraestrutura como brinquedos e pátio para
correr. PB concluiu que os pontos frágeis são a qualidade e a estrutura dos
programas, que se preocupam com o desenvolvimento físico das crianças, mas não
promovem o aprendizado intelectual que a fase permite. Sua análise considera
métodos usados na Austrália e no Chile. Todos se baseiam em avaliações que
identificam as dificuldades das crianças. O Chile aplica baterias de testes
para verificar se elas evoluíram e estão aptas para a próxima etapa: aprender a
ler e a escrever. A maior inspiração de PB vem do professor e amigo James
Heckman, Nobel de Economia que formulou as mais aplaudidas teses sobre os
efeitos da Educação infantil no longo prazo. Eles se conheceram em Chicago em
1988 e têm vários trabalhos juntos. Heckman identificou que adultos que tiveram
boa Educação antes dos 6 anos são mais produtivos, criativos e usufruem renda
até 6% superior à dos que não tiveram a mesma sorte.
Mesmo com todo esse arcabouço, o
diagnóstico é repudiado pelos educadores. “A avaliação com testes segue modelos
internacionais e é inadequada à nossa realidade”, diz Vera Maria Ramos
Vasconcellos, coordenadora do departamento de estudos da infância da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Descontentes, teóricos do ensino
pressionam o Ministério da Educação para que interfira na elaboração do
programa. Paes de Barros considera as críticas parte do processo, mas não está
disposto a abdicar das métricas. Ele sempre criticou o governo por não ter
adotado um sistema de avaliação para os projetos sociais e defende que o
programa para a primeira infância tenha metas, prazos e critérios de avaliação
das crianças, das escolas e dos professores. “Só com a aplicação da ciência
será possível avançar com a Educação no Brasil”, diz PB. É torcer para que seja
ele o vencedor da queda de braço que já se prenuncia.
Fonte: Revista Exame
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